O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, assinaram a Medida Provisória nº 1.303, publicada no Diário Oficial da União. A MP estabelece uma ampla reformulação na tributação sobre aplicações financeiras, introduzindo uma alíquota de 17,5% de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) para diversos investimentos no Brasil, com vigência a partir de 1º de janeiro de 2026. A medida revoga isenções históricas em títulos como Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e outros instrumentos, afetando profundamente investidores individuais, fundos e o mercado financeiro. A iniciativa visa aumentar a arrecadação federal em um contexto de pressões fiscais, mas já gera debates sobre seus impactos econômicos e sociais.
Mudanças na Tributação sobre Aplicações Financeiras: O Que Muda a Partir de 2026
A tributação sobre aplicações financeiras agora abrange uma vasta gama de ativos, conforme detalhado no Art. 2º da MP. Isso inclui depósitos remunerados a prazo, títulos públicos e privados, certificados de recebíveis, debêntures, derivativos (como opções e swaps), cotas de fundos de investimento, ações negociadas em bolsa (inclusive day trade) e representações digitais desses ativos. A alíquota de 17,5% será aplicada na fonte sobre rendimentos na data de pagamento, amortização, resgate ou alienação (Art. 5º), com base na diferença positiva entre o valor da operação e o custo de aquisição, descontando o IOF quando aplicável (Art. 5º, § 3º).
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Para ganhos líquidos em mercados de ações a mesma alíquota de 17,5% será cobrada trimestralmente (Art. 14), com apuração baseada na diferença entre venda e custo de aquisição, permitindo dedução de custos operacionais e compensação de perdas em até cinco anos (Art. 13, § 5º). Uma exceção beneficia investidores com alienações trimestrais de até R$ 60.000, que permanecem isentas (Art. 14, § 2º), uma medida para proteger pequenos aplicadores. No entanto, valores acima desse limite serão tributados integralmente.
Um dos pontos mais impactantes é a nova tributação sobre aplicações financeiras para títulos antes isentos. LCI, LCA, Letras Hipotecárias, Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e outros instrumentos relacionados a infraestrutura terão IRRF de 5% a partir de 2026, mas apenas para emissões após 31 de dezembro de 2025 (Art. 41). Títulos emitidos até essa data manterão as regras atuais, oferecendo uma transição para investidores existentes. Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) continuam isentos de IR sobre rendimentos e ganhos (Art. 42), mas a distribuição de lucros a cotistas pessoa física terá IRRF de 17,5% ou 5%, dependendo do número de cotistas e da concentração de participação (Arts. 43 e 44).
Fim de Isenções e Compensação de Perdas: Detalhes da MP
A MP marca o fim de isenções que beneficiavam setores como o imobiliário e o agronegócio, que dependiam de LCI e LCA para captar recursos. A alíquota de 5% sobre rendimentos desses títulos reflete uma tentativa de equilibrar incentivos fiscais com a necessidade de arrecadação, estimada em bilhões para os próximos anos. Investidores pessoa física terão de declarar esses rendimentos separadamente na Declaração de Ajuste Anual (DAA), sujeitos a IRPF de 17,5% no ajuste anual, com direito a deduzir o IRRF pago como antecipação (Art. 3º, § 1º).
A compensação de perdas também foi ajustada. A partir de 2026, perdas em aplicações financeiras poderão ser compensadas com outros rendimentos declarados na DAA, desde que comprovadas por documentação idônea (Art. 3º, § 4º), mas com limitações. Perdas em reinvestimentos em ativos idênticos ou semelhantes dentro de 30 dias não serão compensáveis (Art. 3º, § 7º), e perdas até 31 de dezembro de 2025 seguirão as regras atuais, restringindo ajustes futuros. Essa mudança busca evitar manobras fiscais, mas pode complicar a gestão de carteiras.
Impacto no Mercado e nas Estratégias de Investimento
A nova tributação sobre aplicações financeiras deve alterar o comportamento de investidores. Títulos como LCI e LCA, que atraíam pela isenção, podem perder apelo, levando a uma migração para FIIs, poupança (que permanece isenta, Art. 11) ou fundos com isenção parcial. Analistas apontam que a rentabilidade líquida de investimentos de renda fixa será reduzida, especialmente para prazos longos, o que pode desestimular a poupança de longo prazo. Para fundos de ações e derivativos, a alíquota de 17,5% sobre ganhos líquidos pode encarecer operações de alta frequência, como day trade, embora a isenção para pequenos volumes ofereça um alívio.
O mercado financeiro já reage com cautela. Bancos e corretoras esperam regulamentação da Receita Federal (Art. 73) para ajustar produtos e orientar clientes. Investidores internacionais, sujeitos a IRRF de 17,5% ou 25% em jurisdições favorecidas (Art. 36), também podem reavaliar sua exposição ao Brasil.
Bitcoin e ativos virtuais
A MP estende a tributação sobre aplicações financeiras a ativos virtuais, como criptomoedas, com alíquota de 17,5% sobre ganhos líquidos (Art. 31), alinhando o setor às regras de mercado. Perdas em criptoativos poderão ser compensadas em até cinco anos, mas não com outros rendimentos financeiros (Art. 34, parágrafo único), criando uma barreira para investidores diversificados. Essa medida visa formalizar um mercado em expansão, mas pode desencorajar pequenos aplicadores.
Outras alterações incluem ajustes na tributação de empréstimos de títulos (Capítulo IV) e regras para investidores estrangeiros (Capítulo VI), que precisarão nomear representantes locais para cumprir obrigações fiscais (Art. 40). A MP também eleva a alíquota de CSLL para fintechs e seguradoras (Art. 62) e aumenta a taxação de apostas (Art. 61), com efeitos a partir de outubro de 2025, refletindo uma abordagem ampla para ampliar a base tributária.
Contexto Econômico e Reação Inicial
A MP surge após a polêmica elevação do IOF em maio, que gerou reações no Congresso e no mercado, levando à revogação parcial da medida. Haddad defendeu a nova proposta como uma solução estrutural para equilibrar as contas públicas de 2025, evitando “gambiarras tributárias”. A arrecadação extra, embora não detalhada, deve suprir o congelamento de R$ 31,3 bilhões no Orçamento e financiar programas sociais.
O Congresso, que apresentou mais de 20 projetos contra o IOF, pode propor emendas à MP, especialmente sobre isenções. Líderes como Hugo Motta e Davi Alcolumbre já sinalizam interesse em debater o impacto em setores como agronegócio e construção. No entanto, a entrada em vigor em 2026 dá tempo para ajustes, dependendo da aprovação legislativa.
Perspectivas e Preparação dos Investidores
A tributação sobre aplicações financeiras exige que investidores revisem suas carteiras. Para LCI e LCA, a nova alíquota de 5% pode reduzir o retorno líquido em até 1% ao ano, dependendo do prazo, levando muitos a buscar alternativas como Tesouro Direto ou FIIs com alta liquidez. Fundos de longo prazo, como os de infraestrutura, também enfrentam desafios, mas a isenção para emissões até 2025 oferece uma janela de transição.
Especialistas recomendam planejar vendas de ativos isentos antes de 31 de dezembro de 2025 para aproveitar as regras atuais e ajustar estratégias para 2026. A possibilidade de compensação de perdas traz flexibilidade, mas a falta de deduções na base de cálculo (Art. 3º, § 3º) limita benefícios fiscais. O governo, por sua vez, monitorará os efeitos, com potencial para revisões caso o impacto seja desproporcional.
Um Novo Cenário Fiscal e insegurança nos investimentos
A Medida Provisória nº 1.303 redefine a tributação sobre aplicações financeiras no Brasil, encerrando isenções e introduzindo uma alíquota única de 17,5% para a maioria dos rendimentos, com exceções estratégicas. Embora vise fortalecer as finanças públicas, a medida pode alterar o perfil de investimentos, favorecendo ativos isentos e pressionando setores dependentes de incentivos. Com vigência a partir de 2026, investidores e legisladores têm meses para se adaptar, enquanto a insegurança sobre investimentos no país sobe.