O Tribunal de Contas da União (TCU) lançou um alerta ao governo federal sobre o risco de descumprimento da meta fiscal estabelecida para 2024, que previa um déficit primário zero. A principal preocupação do TCU é a superestimação das receitas previstas no Orçamento, especialmente no que se refere às medidas de arrecadação com o Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf).
O governo brasileiro incluiu no terceiro relatório bimestral de avaliação de receitas uma projeção de entrada de R$ 37,7 bilhões, uma estimativa considerada exagerada por muitos analistas, visto que, até maio, o governo não havia arrecadado valores significativos com o Carf. Essa expectativa de arrecadação, que inclui o retorno do voto de qualidade, foi uma das principais apostas da equipe econômica para fechar as contas de 2024, mas os números obtidos até o momento indicam um desempenho muito inferior ao projetado inicialmente.
Frustração com a arrecadação das medidas fiscais
O pacote de medidas fiscais aprovado pelo Congresso no ano passado previa uma arrecadação total de R$ 168,3 bilhões ao longo de 2024. No entanto, a realidade tem sido bem diferente, com a frustração de receitas se tornando uma preocupação crescente para o governo. Até agosto, apenas R$ 83,4 milhões foram arrecadados com as condições especiais de pagamento do Carf, valor muito inferior ao previsto inicialmente no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), que era de R$ 54,7 bilhões.
Calendário de dividendos para Setembro : saiba como aproveitar
Além disso, a arrecadação com as transações tributárias concluídas no âmbito da Receita Federal também ficou aquém das expectativas. O valor total arrecadado até o momento foi de apenas R$ 1,961 bilhão, muito abaixo da meta de R$ 31 bilhões projetada para o ano. Por outro lado, as transações feitas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) atingiram a meta estabelecida no PLOA, com R$ 12,2 bilhões arrecadados, incluindo um acordo importante envolvendo a Petrobras (PETR4).
Impacto das receitas frustradas na meta fiscal
A frustração com as receitas obtidas até o momento levou o governo a considerar a reaplicação de algumas dessas medidas no orçamento de 2025. Na proposta orçamentária apresentada no final de agosto, o governo incluiu uma projeção de R$ 28,575 bilhões em arrecadação com o retorno do voto de qualidade do Carf e R$ 31 bilhões em transações tributárias. No total, o governo espera arrecadar R$ 168,252 bilhões com receitas extraordinárias no próximo ano.
BAIXE AGORA: Estratégias para proteger sua carteira de Ações
Essa situação tem gerado grande preocupação entre economistas e especialistas em finanças públicas. A advogada tributarista Maria Carolina Gontijo, conhecida como “Duquesa de Tax” nas redes sociais, afirmou que a frustração com as receitas do Carf em 2024 não é surpreendente. Segundo ela, a adesão das empresas às propostas de negociação depende diretamente do contexto econômico em que estão inseridas. “Em um momento de incerteza econômica, como o que estamos vivendo agora, é difícil encontrar empresas dispostas a aderir a essas negociações”, explicou Gontijo.
Perspectivas para 2025
O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, também destacou que é difícil imaginar que a arrecadação com o Carf será suficiente para cumprir a meta fiscal em 2025. “O Carf tem se mostrado um desafio maior do que o governo esperava, e a protelação jurídica nesses casos tende a prevalecer”, afirmou Vale. Ele ressaltou que, sem uma política eficaz de controle de gastos, o governo terá que recorrer a bloqueios de verbas e contingenciamentos de forma ainda mais agressiva no próximo ano para tentar atingir a meta de déficit zero.
A expectativa de Vale é que o governo precise adotar um novo regime fiscal mais crível em 2027, já que o atual modelo não parece sustentável a longo prazo. “Sem uma agenda relevante focada na estrutura de gastos, o governo está limitado a medidas paliativas, como o bloqueio de verbas, para tentar atingir suas metas fiscais. Isso não é uma solução de longo prazo”, explicou o economista.
O papel do Carf e as dificuldades com as transações tributárias
O Carf, que é o tribunal administrativo responsável por julgar disputas tributárias entre a Receita Federal e os contribuintes, desempenha um papel crucial nas tentativas do governo de aumentar a arrecadação. A lei aprovada pelo Congresso no ano passado retomou o voto de qualidade, uma medida que favorece o Fisco em casos de empate nos julgamentos. No entanto, até o momento, os resultados obtidos com essa medida têm sido decepcionantes.
Ganhe com a desvalorização do Real investindo em ações Brasileiras
As condições especiais de pagamento oferecidas pelo Carf eram vistas como uma peça fundamental para que o Ministério da Fazenda conseguisse elevar a arrecadação com os julgamentos. No entanto, os contribuintes geralmente recorrem ao Poder Judiciário quando são condenados, o que reduz a efetividade da medida. A frustração com as receitas arrecadadas pelo Carf tem levado o governo a reconsiderar suas projeções para o futuro.
Outras medidas e a incerteza econômica
Além das dificuldades com o Carf e as transações tributárias, o governo também enfrenta desafios com outras medidas fiscais propostas. A arrecadação com a limitação das compensações tributárias a empresas decorrentes de decisões judiciais, por exemplo, foi bem abaixo do esperado. A medida foi aprovada pelo Congresso para impedir que as empresas utilizassem créditos de ações judiciais para compensar tributos, e a expectativa era de que essa restrição resultasse em um aumento de R$ 24 bilhões na arrecadação até o final do ano.
De acordo com dados da Receita Federal, os débitos compensados pelas empresas somaram R$ 130,302 bilhões entre janeiro e julho de 2024, uma queda em relação ao mesmo período do ano anterior, quando o valor foi de R$ 137,919 bilhões. Essa redução foi especialmente notável nas compensações feitas a partir de decisões judiciais, que caíram 47,7% em relação ao ano passado.
Outra medida fiscal importante que ainda não foi plenamente implementada é a taxação de apostas esportivas. O projeto de lei aprovado pelo Congresso no ano passado ainda está em processo de regulamentação no Poder Executivo, e a arrecadação prevista com essa medida para 2024 é de R$ 728 milhões.