Entenda a briga entre as farmácias e os supermercados

Projeto de lei permite farmácias nos supermercados e pode transformar o setor varejista. Veja o que muda com a nova regulação
farmácias nos supermercados

Um novo capítulo está sendo escrito no setor de varejo farmacêutico brasileiro, com o avanço de um projeto de lei que permite a instalação de farmácias nos supermercados. A proposta, que tramita no Senado e tem ganhado apoio de grandes redes de alimentos, reacende discussões sobre a regulamentação, os impactos concorrenciais e os desafios logísticos e operacionais dessa mudança.

A discussão gira em torno do PL 2.158/2023, de autoria do senador Efraim Filho, inspirado em modelos internacionais como o norte-americano. Inicialmente, o projeto propunha a liberação da venda de medicamentos sem prescrição médica diretamente nas prateleiras dos supermercados. Porém, após resistência de entidades do setor de saúde e de grandes redes farmacêuticas, o texto foi reformulado. A nova versão prevê que os supermercados possam instalar farmácias completas dentro das lojas, respeitando todos os critérios legais, sanitários e regulatórios exigidos pela Anvisa.

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Novo modelo: farmácias completas dentro dos mercados

Ao contrário do que se poderia pensar inicialmente, a nova proposta não autoriza a simples venda de medicamentos isentos de prescrição (MIPs) sem supervisão técnica. O projeto exige que essas farmácias tenham CNPJ próprio, farmacêutico responsável, controle de temperatura, rastreabilidade de medicamentos e completa — como qualquer drogaria tradicional. Ou seja, a proposta não rompe com os pilares regulatórios, mas amplia o espaço de atuação para o varejo alimentar que queira investir no segmento.

Essa mudança é vista como uma forma de equilibrar os interesses concorrentes. Enquanto o setor de supermercados enxerga a iniciativa como uma oportunidade de aumentar a receita e oferecer conveniência ao , as redes farmacêuticas veem com cautela a possível entrada de novos players no setor.

Impacto limitado no curto prazo, mas tendência em ascensão

Apesar do avanço da proposta, analistas afirmam que o impacto, ao menos no curto prazo, será limitado. Existem três principais razões para isso:

  1. Custo de implementação elevado: montar uma farmácia com todos os serviços exigidos pode custar entre R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões por loja. Esse investimento só é viável para as grandes redes supermercadistas.

  2. Presença já significativa: atualmente, 23% das farmácias do Brasil operam dentro de supermercados. A proposta apenas formaliza e potencializa um modelo que já existe em parte do setor.

  3. Alcance restrito: segundo a ABRAS, 21% dos supermercados associados já possuem farmácias nas lojas. Mesmo que a medida seja implementada nas 300 maiores redes, o aumento de presença nacional de farmácias seria de apenas 3,7% a 8%, dependendo do grau de adesão.

Dessa forma, o cenário não é de disrupção imediata, mas sim de transformações graduais, que devem impactar mais diretamente os grandes players do setor varejista e farmacêutico.

Farmácias x Supermercados: a questão da produtividade

Uma das justificativas para o interesse dos supermercados na nova legislação está nos dados de produtividade. Estudo recente indica que os maiores grupos de supermercados do Brasil apresentaram produtividade média de R$ 42 mil/m² em 2024, enquanto as redes de farmácias listadas em bolsa registraram cerca de R$ 68 mil/m² — um ganho de até 60%.

Essa diferença se explica principalmente pelas margens mais altas obtidas com medicamentos, sobretudo os genéricos (45%) e os sem prescrição (35%). Já os medicamentos de uso controlado, com prescrição médica, apresentam margens mais alinhadas com o varejo “cash and carry” (cerca de 15%).

Portanto, a inclusão de farmácias nas lojas pode não apenas aumentar o ticket médio, como também melhorar a margem operacional de grandes redes supermercadistas.

Concorrência geográfica: quem será mais afetado?

Outro dado interessante do estudo diz respeito à proximidade das farmácias existentes com os supermercados. A Raia Drogasil (), por exemplo, tem apenas 1% de suas unidades a menos de 250 metros de um Assaí, uma das maiores redes de do país.

No entanto, 25% das suas lojas estão num raio de 2 km, e 60% num raio de 5 km. Com o Carrefour, a proximidade é ainda maior: 6% das lojas da RD estão muito próximas, 49% em até 2 km e 76% em até 5 km.

Esse tipo de mapeamento ajuda a entender quem deve sentir mais pressão competitiva caso a proposta seja aprovada e amplamente implementada.

Um cenário regulatório ainda incerto

Apesar do otimismo de alguns setores, o Ministério da Saúde ainda não deu aval final ao projeto. No entanto, há expectativa no mercado de que ele seja aprovado ainda em 2025, dada a força dos grandes varejistas e o apelo junto ao consumidor, que busca mais conveniência e preços competitivos.

Mesmo com essa incerteza, o ruído competitivo já afeta o mercado, pressionando os múltiplos das grandes farmacêuticas e beneficiando, em contrapartida, ações de supermercados que podem se posicionar como potenciais entrantes nesse novo modelo de .

Conveniência vs complexidade

A ideia de permitir farmácias nos supermercados traz uma proposta de valor interessante ao consumidor brasileiro, que já está acostumado a resolver várias demandas num único ponto de venda. No entanto, os desafios operacionais e regulatórios são grandes.

A obrigatoriedade de uma farmácia com serviço completo, a presença de farmacêutico, as normas de infraestrutura e a logística para medicamentos controlados tornam o projeto viável apenas para grandes redes. Ainda assim, trata-se de uma tendência que deve crescer nos próximos anos, ampliando a concorrência, oferecendo novos modelos de parceria e estimulando inovação no setor farmacêutico brasileiro.

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