O aumento constante das expectativas de inflação do mercado e a significativa desvalorização do real devem fazer com que a projeção para o IPCA de 2025 do Comitê de Política Monetária (Copom) se afaste ainda mais do centro da meta, desafiando a estratégia do Banco Central de manter os juros estáveis para promover a convergência.
Economistas do mercado, ouvidos pelo Broadcast, calculam que a projeção do comitê para a inflação do próximo ano deve saltar de 3,1% na última reunião, em junho, para até 3,5% agora — já considerando o “cenário alternativo”, com juros estáveis até o final do próximo ano. Em outras palavras, mesmo com a Selic em 10,5% pelos próximos 17 meses, o IPCA ainda ultrapassaria confortavelmente o centro da meta, de 3%.
BAIXE GUIA PARA A TEMPORADA DE RESULTADOS 2T2024
A piora no cenário deve exigir que o comitê adote um tom mais firme na comunicação, mas os analistas consultados divergem sobre o melhor caminho a seguir. Alguns sugerem que o balanço de riscos para a inflação deve se tornar assimétrico, com mais riscos para cima, reforçando a possibilidade de voltar a aumentar os juros, se necessário.
Outros especialistas, no entanto, veem pouco espaço para mudanças significativas na comunicação. Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC e consultor da A.C. Pastore & Associados, espera que a projeção do BC para o IPCA de 2025, no cenário alternativo, chegue a 3,4%. Esse nível já coloca o Copom em uma “situação delicada”, mas não deve levar a uma sinalização de aumento dos juros, ele diz.
“Eles vão intensificar um pouco o tom da comunicação, mas não podem exagerar, pois podem se tornar reféns do próprio discurso”, afirma Schwartsman. “Se fôssemos iniciar um processo de aumento dos juros agora, ele teria que continuar no próximo ano, já sob nova direção. É difícil imaginar que um presidente do BC indicado pelo presidente Lula estaria disposto a fazer isso.”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem criticado repetidamente o nível dos juros, que considera elevado, e poderá indicar um novo presidente do BC a partir do próximo ano, já que o mandato de Roberto Campos Neto termina em 31 de dezembro. Lula também nomeará mais dois diretores para a autarquia, garantindo a maioria dos membros do Copom a partir de 2025.
“O que o BC pode fazer agora é endurecer um pouco o discurso, afirmar que está vigilante, talvez ajustar o balanço de riscos, e sugerir que o horizonte relevante agora se deslocou para o primeiro trimestre de 2026. Assim, empurra-se a convergência esperando que o cenário melhore”, explica Schwartsman.
Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital, espera que a projeção do BC para o IPCA de 2025 suba para 3,5% no cenário alternativo. Para ela, essa mudança nos números já serviria como uma “mensagem firme” para o mercado, permitindo que a autoridade monetária adote uma postura dependente de dados enquanto aguarda a evolução do cenário econômico até setembro.
“Teremos um calendário importante de notícias fiscais, com o debate do Orçamento de 2025, onde o governo pode anunciar algum controle de gastos e ajudar a aliviar o câmbio. E, nos Estados Unidos, o Fed [o BC americano], se os dados permitirem, pode sinalizar o início do ciclo de cortes em setembro, o que também poderia ajudar a descomprimir a taxa de câmbio”, exemplifica.
Para o Itaú Unibanco, a piora no cenário já colocou a política monetária “no limiar de uma inflexão”, já que a taxa Selic necessária para fazer o IPCA convergir para a meta é, nas contas do banco, de pelo menos 11%. Historicamente, segundo levantamento do próprio Itaú, o BC só iniciou um ciclo de aperto monetário quando constatou a necessidade de elevar os juros em um ponto percentual ou mais.
Obtenha acesso exclusivo às 10 principais recomendações de ações|10SIM – Carteira recomendada de Ações
“Essa condição deve levar o comitê a renovar a promessa de vigilância, e afirmar que avaliará se a estratégia de manutenção da política monetária em patamar contracionista por tempo suficiente será capaz de assegurar o processo de desinflação e reancoragem das expectativas”, diz o Itaú, em relatório. O banco espera que a projeção do BC para o IPCA de 2025 suba para 3,5% no cenário alternativo, e que o Copom inclua no comunicado uma inflação de 3,2% para o primeiro trimestre de 2026, considerando juros estáveis.
Limites
Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, avalia que a própria sinalização de “higher for longer” adotada pelo Copom perdeu boa parte de sua eficácia. Ele destaca que o BC tem utilizado nos modelos parâmetros de hiato do produto e taxa neutra real de juros que o mercado considera subdimensionados, aumentando o impacto de qualquer piora adicional.
Além disso, Borsoi observa que as projeções divulgadas pela autoridade monetária em junho já incluíam uma trajetória de preços livres considerada “improvável”. Nas contas dele, as projeções de inflação do BC já consideravam uma taxa mensal média de 0,23% para os preços livres, compatível apenas com anos como 2017 e 2023, quando choques de oferta, como as supersafras agrícolas, ajudaram a reduzir os preços.
“O BC já percebeu que as projeções estão se afastando do ‘ao redor da meta’ e propôs um cenário alternativo, mas, mesmo nesse cenário, há sinais de que aquilo não é muito razoável”, afirma. “Corremos o risco de o BC ficar atrasado na sinalização, de que as expectativas continuem se desancorando ainda mais. Estamos em um momento difícil de operacionalizar. Não é uma tarefa simples manter o juro, intensificar o discurso e controlar as expectativas.”