A dívida pública brasileira voltou a ganhar os holofotes após alcançar a marca de 90% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo parâmetros internacionais utilizados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O patamar, revelado em relatório recente, coloca o Brasil entre os países emergentes mais endividados, superando a média da América Latina e aproximando-se de nações desenvolvidas em termos de peso do endividamento.
O cálculo oficial e as críticas de transparência
Pelos números divulgados pelo Tesouro Nacional, a dívida bruta estaria em 77,6% do PIB, equivalente a R$ 9,6 trilhões. No entanto, esse percentual considera um método próprio do governo federal, que exclui títulos emitidos pelo Banco Central (BC) para controle monetário.
Ao incluir esses papéis, conforme recomendação do FMI, a relação dívida/PIB salta para 90%. Especialistas afirmam que essa discrepância compromete a transparência dos dados fiscais e mascara o real tamanho do passivo brasileiro.
O Banco Central reconhece a diferença, mas justifica que o modelo atual reflete a “realidade institucional brasileira”. Apesar disso, investidores interpretam o indicador internacional como mais próximo da capacidade de pagamento do Estado, fator que influencia diretamente os juros cobrados para financiar a dívida.
Impacto no mercado: juros mais altos e risco fiscal
Quanto maior o nível da dívida pública, maior o risco percebido pelos credores. Isso se traduz em taxas de juros mais elevadas nos títulos do Tesouro e maior pressão sobre a política monetária.
Para economistas, a exclusão dos títulos do BC cria uma percepção artificial de alívio. No entanto, o mercado considera a relação dívida/PIB acima de 80% como zona de atenção, sobretudo para países emergentes que não têm moeda de reserva global, como o Brasil.
Comparações internacionais
O caso brasileiro chama atenção quando comparado a economias semelhantes. Países emergentes registram, em média, endividamento de 69,5% do PIB, enquanto na América Latina esse percentual é de 70%.
Ou seja, o Brasil está cerca de 20 pontos percentuais acima da média regional. Para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o ideal seria que a região mantivesse sua dívida pública entre 46% e 55% do PIB, o que reforça o tamanho do desafio brasileiro.
Aumento das despesas obrigatórias
O peso da dívida tem ligação direta com a expansão das despesas obrigatórias nos últimos anos. Desde 2023, o governo Lula ampliou gastos permanentes, como a recomposição do salário mínimo acima da inflação, pagamento de precatórios acumulados e reajustes salariais para servidores públicos.
A chamada “PEC da Transição”, aprovada no fim de 2022, também abriu espaço adicional de R$ 170 bilhões por ano em gastos, elevando a relação dívida/PIB em seis pontos percentuais em menos de três anos.
Futuro desafiador para as contas públicas
De acordo com projeções do Tesouro Nacional, a dívida pública deve continuar em trajetória ascendente. O órgão estima que o indicador chegue a 84,3% do PIB em 2028 (segundo o cálculo oficial) e recue levemente até 2030. Porém, quando se aplica a metodologia do FMI, os números são mais preocupantes: a dívida brasileira pode atingir 95% em 2033 e ultrapassar 100% do PIB em 2035.
Isso coloca em xeque a sustentabilidade fiscal do país, já que um crescimento contínuo da dívida sem contrapartida de receitas pode afastar investidores e pressionar ainda mais os juros.
Governo aposta em impostos, mercado pede cortes
O governo tem evitado cortes significativos em despesas e aposta no aumento de impostos para tentar equilibrar as contas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defende a criação de novas fontes de receita e a revisão de renúncias fiscais.
O mercado, contudo, vê a contenção de gastos como única forma sustentável de controlar a dívida e recuperar credibilidade. Técnicos do Congresso também sugerem medidas de desvinculação, como a revisão de pisos constitucionais de saúde e educação, além da desindexação de benefícios previdenciários.
Gravidade da situação da dívida pública
A marca de 90% do PIB expõe a gravidade da situação da dívida pública no Brasil. Enquanto o governo busca alternativas de arrecadação, especialistas alertam que sem cortes estruturais o país pode enfrentar um ciclo de juros altos e baixo crescimento econômico.
A trajetória do endividamento se torna, portanto, uma das principais variáveis a serem observadas por investidores e pela sociedade nos próximos anos, com impacto direto na inflação, no crédito e no poder de compra dos brasileiros.