Na última semana, o governo anunciou o tão aguardado pacote fiscal, no qual Haddad apresentou medidas como:
- Alinhamento do modelo de reajuste do salário mínimo à regra de despesas do arcabouço fiscal (com crescimento de no máximo 2,5% e, no mínimo, 0,6% ao ano acima da inflação);
- Imposição de um teto para reajustes salariais no setor público;
- Regras mais rígidas de elegibilidade e triagem para o acesso a benefícios sociais.
- Idade mínima de aposentadoria para membros das Forças Armadas, além de outras regras que devem gerar economias no regime de pensões militares;
- Proibição de criação ou ampliação de benefícios e isenções fiscais em caso de déficits fiscais primários.
Como o leitor dessa página já deve saber, o mercado reagiu muito mal ao pacote. No dia seguinte, juros e dólar dispararam enquanto a bolsa caiu forte. Ao invés de narrar o que aconteceu nos mercados, vou focar no meu julgamento sobre a reação dos agentes.
O governo postergou esse anúncio diversas vezes. Então o mercado já vinha há meses em compasso de espera aguardando um pacote robusto de medidas que pudessem dar uma tranquilidade para os investidores de que o país seguiria com certa responsabilidade fiscal nos próximos anos que serão desafiadores. Acho inclusive que muitos gestores e investidores deram um grande benefício da dúvida para o governo, acreditando que teríamos boas medidas.
Não foi o que aconteceu. E, na minha visão, esse foi o principal motivo das quedas acentuadas nas ações. Aqueles que nutriam uma esperança otimista jogaram a toalha. O mercado como um todo já vinha com pouca posição em bolsa e dos que ainda tinha, muitos optaram por vender após o anúncio. Mesmo amigos meus conhecidos por sempre estarem otimistas, começaram a ficar com graus de pessimismo.
O pacote mostra que o núcleo do governo ainda subestima a importância do equilíbrio fiscal do país. Minha percepção é de que Haddad e o time da Fazenda entendem a importância e tentam convencer as outras alas do partida que tem uma visão completamente diferente. Nesse embate ficamos no meio do caminho com uma proposta que não agrada ninguém e não resolve o problema. Quem foi ao evento da Febraban na última sexta-feira saiu com a percepção de que ‘‘Haddad fez o que era possível.’’
Essa ‘‘outra ala’’ dá sinais de que a prioridade é a reeleição. Nem que pra isso precisem adotar medidas populistas que aumentem o problema das contas públicas.
Nesse sentido, faz sentido a reação do mercado. Apesar de a foto não estar ruim, o filme preocupa. A trajetória da dívida, com os esse nível de juros e sem cortes adicionais, é insustentável sobre qualquer perspectiva. Do jeito que tá, o governo terá duas opções no futuro: ensaiar um calote ou gerar inflação para aliviar o peso da dívida, o que é mais provável.
Assim, vejo 3 problemas principais nisso tudo:
- O governo subestima a importância do equilíbrio fiscal. Uma ala inclusive acha que é tudo invenção do mercado, o que é pior ainda.
- O governo, vendo sua popularidade cair, começa a adotar medidas para garantir a reeleição. E praticamente todas as medidas ventiladas, pioram o problema fiscal, aumentam os gastos e pressionam a inflação.
- Com a inflação pra cima, o Banco Central vai precisar jogar os juros mais pra cima ainda se quiser perseguir a meta. Com isso, os juros da dívida ficam ainda maiores, aumentando o problema.
Isso tudo considerando que o Banco Central continuará a agir de forma independente. Digo isso porque alguns ministros já começam a falar em um Banco Central ‘‘amigo do governo’’ a partir do ano que vem. Não é segredo que essa ‘outra ala’ é a favor de cooptar a instituição para agir de acordo com os interesses do partido.
Na minha opinião, o mercado não coloca no preço que isso vai acontecer. Pelo menos ainda. Grandes gestores como Luis Stuhlberger do verde ainda consideram esse risco improvável.
Por outro lado, temos que tentar ser construtivos e olhar para o que dá pra tirar de positivo, mesmo que seja pouca coisa. Segundo o economista Felipe Salto, o pacote atacou problemas importante, mesmo que na intensidade baixa. Mas é um primeiro sinal positivo. Podemos pensar também que não é definitivo, dadas as reações, as propostas podem ser melhoradas tanto pelo governo quanto pelo congresso.
Como disse, a fotografia ainda não é ruim. O desemprego baixo e o PIB em alta propiciam que seja feito o ajuste agora sem maiores problemas. Se esperar uma recessão ou crise aguda, o remédio será 10 vezes mais amargo.
Do ponto de vista do mercado de ações, se o posicionamento técnico já era bom porque poucos fundos estavam comprados, agora o técnico é melhor ainda. Ou seja, com uma eventual notícia boa, quem está operando vendido vai ter que recomprar e quem está de fora, vai querer entrar, pressionando os preços pra cima. Hoje, no mar de pessimismo é difícil imaginar um cenário desse, mas mesmo que improvável, é possível. Já temos valuations historicamente baixíssimos. Para voltar à média, precisa subir bem.
Li também alguns comentarista de twitter, acreditando que o fato do anúncio da TV ser encabeçado por Haddad, é um sinal de que Lula não concorra a reeleição. Pessoalmente, não concordo com essa leitura. Mas se for verdade, pode trazer uma melhora para os preços.
Mas mesmo tentando olhar o lado bom, a sinalização no geral foi ruim. O atraso e a intensidade fizeram os agentes perderem a paciência e puniu quem acreditava em algo robusto. Relatórios técnicos mostram que dos 70 bilhões em 2 anos prometidos, cerca de 40 bilhões são realmente críveis.
Cabe a nós investidores, refletirmos se o desconto nos preços já é suficiente e se já somos bem remunerados pelo risco que estamos correndo. Temos que monitorar cada passo do governo e dos agentes econômicos. Com o nível de juros precificado hoje, as empresas endividadas começarão a ter problemas assim como alguns setores da economia.
No final, concordo com o grande Marcos Lisboa:
Para um governo que vive de mitos e manchete de jornal em que alguns temas despertam paixão, foi um passo tratar desses temas? Foi. Tratou com profundidade, com cuidado e com atenção as detalhes? Não. Tem algo relevante para garantir a superação da crise fiscal do Brasil? Não.
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