Em uma votação apertada, a comissão mista do Congresso Nacional aprovou nesta terça-feira (7) a Medida Provisória (MP) nº 1.303, conhecida como MP do IOF, que reformula parte das fontes de arrecadação originalmente previstas pelo governo com o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
O texto, relatado pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), foi aprovado por 13 votos a 12 e ainda precisa passar pelos plenários da Câmara e do Senado até esta quarta-feira (8) para não perder a validade. A proposta cria novas bases de tributação sobre investimentos, juros sobre capital próprio e fintechs, além de estabelecer um regime especial de regularização de ativos virtuais e mudanças em compensações tributárias.
Com a reconfiguração, o governo estima arrecadar cerca de R$ 3 bilhões a menos do que o previsto para 2026. Mesmo assim, o Ministério da Fazenda considera o texto um avanço para garantir a sustentabilidade fiscal e cumprir a meta de resultado primário no próximo ano.
MP do IOF nasce como alternativa à queda de receita
A MP do IOF surgiu como uma resposta da equipe econômica à redução drástica do impacto fiscal que o aumento do IOF traria originalmente. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva esperava obter R$ 40 bilhões anuais com a revisão das alíquotas do imposto, mas o valor foi reduzido à metade após pressões setoriais e decisões judiciais, incluindo uma liminar do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que limitou a aplicação das novas cobranças.
Para evitar uma frustração de arrecadação, a MP 1.303 buscou fontes alternativas de receita, unificando a tributação de investimentos, revisando o IR sobre o JCP (Juros sobre Capital Próprio), ajustando a CSLL das fintechs e restringindo compensações tributárias consideradas abusivas.
A votação na comissão foi marcada por intensa negociação política e forte lobby de setores empresariais e financeiros. Com apenas um voto de vantagem, o texto segue agora para o plenário da Câmara, onde enfrenta resistência do Centrão, que ameaça deixar a MP caducar — ou seja, perder validade — sob o argumento de não entregar “um caixa extra” ao governo às vésperas das eleições de 2026.
IR de 18% sobre investimentos: o eixo da nova tributação
O principal ponto da MP do IOF é a unificação da alíquota do Imposto de Renda sobre aplicações financeiras em 18%, substituindo a atual tabela regressiva que varia de 15% a 22,5%, conforme o prazo da aplicação.
Hoje, o sistema funciona assim:
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Até 180 dias: 22,5%
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De 181 a 360 dias: 20%
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De 361 a 720 dias: 17,5%
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Acima de 721 dias: 15%
A mudança, segundo o relator Carlos Zarattini, busca simplificar o sistema, eliminar distorções e trazer mais previsibilidade aos investidores. A equipe econômica também argumenta que o modelo regressivo não atingiu o objetivo de estimular o investimento de longo prazo e acabou penalizando pequenos poupadores, que muitas vezes precisam resgatar aplicações antes de dois anos.
O novo formato de 18% também facilita o controle e a fiscalização por parte da Receita Federal, uma vez que uniformiza a base de cálculo para todos os prazos e produtos financeiros, com exceção das aplicações isentas.
Juros sobre Capital Próprio (JCP): alíquota também sobe para 18%
Outro ponto central é o aumento da alíquota de IR sobre Juros sobre Capital Próprio (JCP) de 15% para 18%. O JCP é uma forma de remuneração aos acionistas usada por empresas para distribuir lucros de maneira fiscalmente vantajosa, pois pode ser deduzido como despesa operacional.
A proposta original da Fazenda era elevar o imposto para 20%, o que geraria até R$ 5 bilhões adicionais em receitas, mas o Congresso reduziu o impacto após negociações com o setor produtivo.
Zarattini justificou que o ajuste para 18% mantém equilíbrio com o novo IR sobre investimentos, evitando distorções e preservando o apelo da medida.
Com isso, tanto os rendimentos de aplicações financeiras quanto os lucros pagos via JCP passarão a ser tributados de forma unificada em 18%.
Recuo nas “bets” e criação de programa de regularização
Durante as negociações, o governo desistiu de aumentar a tributação das apostas esportivas (bets) de 12% para 18%, após resistência de parlamentares e empresas do setor.
No lugar, o relator incluiu a criação de um Regime Virtual de Regularização de Ativos Virtuais, que obriga as empresas que operaram entre 2019 e 2024 — período entre a aprovação da lei de apostas e o início efetivo da regulação — a recolher tributos retroativos sobre receitas obtidas.
Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, essa medida poderá gerar até R$ 5 bilhões em arrecadação, superando o ganho previsto com o aumento da alíquota das bets.
O ministro afirmou que a regularização “corrige uma distorção histórica e garante que todos os agentes do setor contribuam de maneira justa”.
Para os apostadores, não há mudança imediata na cobrança, que continua sendo feita sobre ganhos líquidos obtidos em plataformas licenciadas.
Fintechs, bancos e CSLL: tributação mais equilibrada
A MP do IOF também modifica a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das instituições financeiras.
Atualmente, bancos pagam 20%, enquanto fintechs e instituições menores recolhem 9%.
Com a nova regra, fintechs terão suas alíquotas elevadas para 15% (no caso das de pequeno porte) e 20% para as grandes, equiparando-as às demais instituições financeiras.
A equipe econômica espera arrecadar R$ 1,58 bilhão em 2026 com essa equiparação, além de reduzir distorções competitivas no mercado financeiro digital, que vem ganhando espaço de bancos tradicionais.
Compensações tributárias: aperto em créditos de PIS/Cofins
Outra frente relevante é o endurecimento das regras para compensações tributárias.
De acordo com a proposta, créditos de PIS/Cofins só poderão ser utilizados quando relacionados diretamente à atividade principal da empresa, e não poderão ser aproveitados se houver documentos fiscais inexistentes.
O objetivo é coibir práticas de compensação indevida, apontadas pela Receita Federal como uma das principais fontes de perda de arrecadação.
O Ministério da Fazenda estima ganho de até R$ 10 bilhões com a medida em 2026, embora a Consultoria de Orçamento do Senado (Conorf) tenha destacado que “não há dados públicos suficientes para estimar com precisão o impacto fiscal”.
Criptomoedas e ativos virtuais entram na mira
A MP também estabelece regras de tributação para criptomoedas e outros ativos digitais.
Os rendimentos obtidos com esses investimentos passarão a ser tributados em 17,5%, equiparando-se à média dos demais ativos financeiros.
A regulamentação busca preencher lacunas legais e ampliar a transparência no mercado de criptoativos, que movimenta bilhões de reais e ainda possui baixo controle fiscal.
O novo regime de regularização de ativos virtuais permitirá que empresas que atuaram antes da regulação formal possam se adequar voluntariamente, mediante pagamento de imposto e multa reduzida — modelo semelhante ao Refis aplicado a outros setores.
Títulos incentivados (LCI, LCA, CRI, CRA): isenção mantida
Após semanas de debate, o relator recuou da ideia de tributar títulos incentivados como LCIs, LCAs, LCDs, LHs e LIGs, que permanecerão isentos para pessoas físicas.
O Ministério da Fazenda defendia uma alíquota de 5%, que chegou a ser elevada para 7,5% durante as negociações, mas a pressão das bancadas ruralista e empresarial forçou o recuo.
Embora tenha perdido arrecadação estimada em R$ 2,6 bilhões, o governo manteve alterações estruturais: no caso das LCAs, o percentual mínimo de recursos direcionados ao agronegócio subiu de 60% para uma faixa entre 65% e 80%; nas LCIs, ajustes jurídicos buscam garantir aplicação efetiva no setor imobiliário.
Outras medidas e controle de gastos públicos
Além das mudanças tributárias, a MP 1.303 também restringe despesas e define novas regras orçamentárias:
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Seguro-defeso: limite ao valor previsto no Orçamento e registro profissional obrigatório validado pelo Ministério do Trabalho;
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Programa Pé-de-Meia: inclusão no piso constitucional da educação;
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Auxílio-doença (Atestmed): limite de 30 dias para concessão sem perícia médica;
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Compensações previdenciárias: teto de gastos entre regimes de previdência para reduzir despesas da União.
Essas medidas, segundo a Fazenda, buscam reforçar o controle fiscal e evitar cortes em áreas sensíveis em 2026.
O desafio político e o prazo final
Com a aprovação na comissão, a MP do IOF entra agora em modo de urgência máxima.
O prazo de validade se encerra nesta quarta-feira (8), e a Câmara dos Deputados precisa votar o texto rapidamente, antes que siga ao Senado no mesmo dia.
Nos bastidores, o Centrão e parte da oposição avaliam deixar a MP caducar, alegando que não querem “reforçar o caixa” do governo antes das eleições.
Para o ministro Fernando Haddad, porém, a aprovação é essencial para garantir equilíbrio fiscal e evitar novos contingenciamentos em 2026.
“Não se trata de arrecadar por arrecadar, mas de modernizar o sistema tributário e reduzir distorções”, afirmou o ministro.