O Brasil enfrenta uma intensa disputa jurídica em torno do imposto sobre herança, oficialmente chamado de ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação). O tema chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que deverá definir, nos próximos meses, qual deve ser a base de cálculo do tributo.
Enquanto a decisão não é tomada, famílias com grandes fortunas vivem um ambiente de insegurança. Muitos processos já se acumulam nos tribunais estaduais, e especialistas alertam que a decisão do STJ pode ter efeito retroativo de até cinco anos, trazendo risco de questionamentos sobre doações já realizadas.
Divergências de cálculo do imposto sobre herança
Atualmente, cada estado define como calcular o imposto sobre herança. Em alguns, aplica-se o valor venal de referência (mais próximo do IPTU), o que reduz a base de cobrança. Já em outros, exige-se o valor de mercado dos bens ou cotas de empresas, que geralmente é bem mais alto.
Essa divergência cria um cenário caótico. Famílias declaram suas doações conforme a legislação estadual vigente, mas correm o risco de ter o valor contestado pelos fiscos, que podem arbitrar uma nova base de cálculo alegando que a declaração não reflete o valor real de mercado.
Retroatividade e insegurança jurídica
Caso o STJ valide o poder de arbitramento dos fiscos, as doações feitas nos últimos cinco anos poderão ser revisadas. Isso significa que contribuintes que seguiram fielmente a lei estadual vigente ainda assim podem ser surpreendidos com cobranças adicionais.
Especialistas destacam que esse cenário abre espaço para arbitrariedade e litígios. “Seria um verdadeiro cheque em branco para os fiscos estaduais”, afirma José Mauricio Abreu, advogado tributarista.
Impacto no planejamento sucessório
A disputa sobre o imposto sobre herança já está afetando diretamente o planejamento sucessório no Brasil. Muitas famílias suspenderam doações até que haja maior clareza. Outras, ao contrário, têm acelerado processos para evitar uma possível tributação mais severa no futuro.
Segundo levantamento da Brainvest, apenas em São Paulo há mais de oito mil processos relacionados ao ITCMD. O número mostra o tamanho da disputa e a falta de uniformidade que afeta tanto famílias quanto escritórios de advocacia.
Reforma tributária pode mudar o cenário
A reforma tributária aprovada em 2023 aumentou a relevância do imposto sobre herança, já que o ICMS, principal fonte de arrecadação dos estados, será gradualmente substituído pelo IBS. Com isso, os estados veem no ITCMD uma alternativa para reforçar suas receitas.
Tramita no Congresso o Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024, que busca uniformizar critérios de cálculo do ITCMD em todo o país. A proposta prevê o uso do valor de mercado como base de cálculo geral, o que deve reduzir disputas, mas também elevar a carga tributária em muitos casos.
A disputa em torno do imposto sobre herança revela o quanto a falta de uniformidade no sistema tributário brasileiro gera insegurança jurídica. Até que o STJ defina uma posição clara, famílias e empresas seguem sem saber como planejar suas doações e sucessões.
Enquanto isso, estados buscam ampliar arrecadação e contribuintes enfrentam riscos de processos retroativos. A pacificação do tema é urgente para dar previsibilidade e segurança ao ambiente tributário nacional.