Nos últimos anos, muitos brasileiros têm feito a mesma pergunta: por que as contas de luz sobem tanto, mesmo quando o consumo se mantém estável? A resposta está longe de ser simples, mas é possível entender com clareza se olharmos para os números e decisões que, silenciosamente, afetam todo o sistema elétrico nacional.
Segundo levantamento da Abraceel (Associação Brasileira de Comercializadores de Energia), as tarifas de energia elétrica aumentaram 177% desde 2009, enquanto a inflação acumulada no mesmo período foi de 122%. Essa diferença expressiva é resultado de uma combinação de fatores que vão desde subsídios mal distribuídos até fraudes generalizadas e decisões legislativas que pressionam o custo final da energia.
Os “jabutis” que pesam no seu bolso
Recentemente, dispositivos chamados de “jabutis legislativos” — emendas desconectadas do tema principal dos projetos de lei — foram inseridos em propostas sobre energia eólica offshore. Essas emendas criaram novas obrigações que, segundo estimativas do próprio governo, podem gerar um impacto de até R$ 35 bilhões nas contas de energia.
Embora parte dessas obrigações tenha sido vetada pela presidência da República, o Congresso derrubou parte dos vetos. Para conter os efeitos mais graves, o governo editou uma medida provisória que reduz temporariamente esse impacto para R$ 11 bilhões, mas o custo continua sendo absorvido pela população.
Subsídios e desigualdade no sistema
Outro ponto crítico é a forma como os subsídios são distribuídos. Hoje, consumidores que instalaram sistemas de energia solar antes de 2023 recebem isenções praticamente totais de encargos como a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). Isso representa um subsídio mensal superior a R$ 1.200 para consumidores de alta renda, segundo a Abrace.
Enquanto isso, consumidores de baixa renda, que muitas vezes dependem de tarifa social, recebem subsídios de cerca de R$ 60 por mês. Essa distorção contribui para a sensação de injustiça, onde os que mais consomem e têm poder aquisitivo maior são os que mais se beneficiam do sistema atual.
Fraudes, perdas e criminalidade
As chamadas “perdas não técnicas” — um eufemismo para furtos de energia e ligações clandestinas — também têm um peso significativo. Em 2024, o custo desses desvios foi de R$ 10,3 bilhões, segundo a Aneel. Em regiões dominadas por organizações criminosas, como áreas periféricas do Rio de Janeiro, as distribuidoras sequer conseguem realizar manutenção ou fiscalizações.
Como essas perdas são irrecuperáveis, acabam sendo redistribuídas entre os demais consumidores, elevando ainda mais as tarifas.
Clima e impacto estrutural
Além de tudo isso, os eventos climáticos extremos também têm pressionado o custo da energia. Apenas em 2024, mais de 65 mil ocorrências climáticas causaram interrupções no fornecimento, exigindo manutenções emergenciais. A estiagem, por sua vez, compromete as hidrelétricas, levando ao uso de usinas térmicas mais caras e poluentes.
Esses fatores tornam o sistema elétrico mais instável e exigem investimentos urgentes em modernização e expansão, o que também gera novos custos futuros.
Para onde vamos?
Segundo especialistas como Mateus Cavaliere, da consultoria PSR, o Brasil precisa modernizar seu setor elétrico com urgência, evitando decisões políticas de curto prazo e focando em soluções técnicas. O atual modelo, além de caro, é pouco transparente, e transfere à população o ônus de políticas mal estruturadas.
A conta de luz não deve ser o reflexo de distorções e ineficiências, mas sim de um sistema equilibrado, justo e sustentável. Se a sociedade não participar ativamente desse debate, continuará arcando com uma conta cada vez mais difícil de pagar.