O Brasil já sente os primeiros impactos de uma crise fiscal que tende a se aprofundar nos próximos anos. Com o aumento das despesas obrigatórias e o encolhimento do espaço para gastos discricionários, diversos órgãos federais já começaram a cortar serviços, paralisar programas e demitir funcionários. O tão temido colapso das contas públicas já está em curso — e o apagão administrativo, ao contrário do que se pensava, não é mais um risco futuro, mas uma realidade em movimento.
Cortes já atingem os serviços públicos essenciais
Em maio de 2025, cerca de 25% do orçamento de agências reguladoras foi suspenso, forçando a adoção de cortes emergenciais. A Agência Nacional do Petróleo (ANP), por exemplo, dispensou 41 terceirizados e passou a funcionar com expediente reduzido, além de suspender a fiscalização presencial dos postos.
Em Brasília, o impacto atingiu também outras áreas. A ANA, responsável pela vigilância dos recursos hídricos do país, enfrenta um verdadeiro apagão de dados: 30% dos 23 mil equipamentos de medição de rios serão desativados por falta de verba. A Anatel suspendeu o projeto de modernização de datacenters e adiou a compra de drones que seriam utilizados para fiscalizar frequências.
Projeções apontam cenário crítico já em 2027
Segundo o Ministério do Planejamento e Orçamento, 2027 marcará o início de um ciclo sem precedentes de estrangulamento fiscal. A projeção é de que não haverá recursos disponíveis para custear despesas discricionárias — aquelas não obrigatórias, mas fundamentais para o funcionamento da máquina pública.
Os números são alarmantes: o orçamento disponível para despesas discricionárias cairá de R$ 83,1 bilhões em 2026 para um déficit de R$ 10,9 bilhões já em 2027. Em 2028, o buraco chegará a R$ 87,3 bilhões e, em 2029, ultrapassará R$ 154 bilhões negativos. Isso inclui contas de energia elétrica dos prédios públicos, combustíveis para aviões da Força Aérea e programas sociais.
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Serviços paralisados, população prejudicada
Enquanto o governo federal tenta manter as contas sob controle, quem paga o preço é a população. O corte de verbas já compromete serviços essenciais, como a regulação da qualidade de combustíveis, o monitoramento de rios, a fiscalização de telecomunicações e o atendimento de reclamações de consumidores.
Apenas as onze agências federais geraram R$ 95 bilhões para os cofres públicos em 2024, mas terão menos de R$ 1,3 bilhão para operar em 2025 — uma relação de 72 vezes menos entre receita gerada e verba destinada. “Não faz sentido econômico reduzir atividades de regulação que tanto contribuem com a arrecadação”, afirmou Veronica Sánchez, diretora da ANA.
Diplomatas e militares afetados
A crise se espalha também por outras engrenagens do Estado. A Força Aérea manterá parte de sua frota no chão, dispensando mais de 100 pilotos. O Itamaraty viu diplomatas pagarem do próprio bolso por viagens oficiais, enquanto pelo menos 500 servidores aguardam remoção por falta de recursos para arcar com mudanças e passagens.
A presidente do sindicato dos diplomatas, Gabriela Perfeito, resumiu a gravidade: “Temos um déficit enorme de gente”. Já os reembolsos para missões oficiais chegam a demorar 45 dias, o que desestimula o desempenho das funções de representação internacional do Brasil.
A raiz do problema: despesas obrigatórias e rigidez orçamentária
A origem do colapso das contas públicas está nas regras fiscais e no crescimento contínuo das despesas obrigatórias. Itens como saúde, educação, previdência e salários consomem cada vez mais recursos, restando pouco ou nada para despesas discricionárias.
O atual arcabouço fiscal, mesmo com os limites estabelecidos para o crescimento dos gastos (2,5% ao ano), não resolve a equação se o aumento de despesas obrigatórias continuar. Além disso, o governo não avançou em uma reforma administrativa que torne o Estado mais eficiente. A alternativa seria encarar temas espinhosos como o reajuste do salário mínimo e os pisos constitucionais.
Sem reforma, risco é travamento total da máquina
A consultoria BRCG estima que o governo terá apenas R$ 33 bilhões para funcionamento em 2026. “A máquina começará o ano com o tanque de combustível na reserva”, disse Matheus Ribeiro, economista da consultoria. Na prática, qualquer imprevisto — como uma crise hídrica ou uma emergência sanitária — poderá paralisar o governo.
A análise serve como alerta para o governo Lula, que enfrenta dificuldades políticas para aprovar mudanças estruturais. Com eleições presidenciais se aproximando e uma base parlamentar enfraquecida, as chances de reformas fiscais efetivas parecem remotas.
Um futuro incerto, mas não inevitável
A situação é crítica, mas não irreversível. Especialistas apontam caminhos como:
- Reforma administrativa com foco em modernização;
- Revisão dos gastos mínimos constitucionais;
- Maior controle sobre a progressão de despesas previdenciárias;
- Redução de subsídios e incentivos fiscais ineficientes;
- Redesenho das regras fiscais com foco em sustentabilidade de longo prazo.
O desafio é político, técnico e também de comunicação com a sociedade. O país precisa entender que o colapso das contas públicas não é apenas um tema para especialistas — ele já afeta a qualidade do serviço que o cidadão recebe todos os dias.