Divergências Evidenciam Incerteza Fiscal
As divergências entre o Banco Central (BC) e o Ministério da Fazenda sobre o tamanho do rombo fiscal do Brasil têm se aprofundado, causando preocupação entre economistas e investidores. Segundo reportagem do Estadão, o BC aponta um déficit nas contas públicas R$ 40 bilhões maior do que o estimado pela Fazenda. Essa discrepância foi reforçada após a aprovação do projeto de desoneração da folha de pagamentos pelo Congresso Nacional.
Especialistas ouvidos pelo jornal alertam que essa diferença significativa pode comprometer a transparência e a credibilidade do resultado primário do país. O resultado primário, que considera o saldo entre receitas e despesas, é um indicador crucial para a verificação da meta fiscal estabelecida pelo governo.
Impacto da Desoneração da Folha e Metodologias Distintas
A desoneração da folha de pagamentos permite que empresas de 17 setores econômicos substituam a contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha por uma alíquota sobre a receita bruta, variando entre 1% e 4,5%. O texto aprovado pelo Congresso, com aval do governo, também autoriza o Tesouro Nacional a contabilizar como receita primária os cerca de R$ 8,6 bilhões esquecidos por correntistas em instituições financeiras. Esses recursos, provenientes de valores não reclamados por clientes em bancos, foram liberados após uma iniciativa do próprio BC.
Apesar disso, o Banco Central não considera esses R$ 8,6 bilhões como receita primária em seu cálculo do resultado fiscal. Essa diferença metodológica exacerba a discrepância entre as contas das duas instituições. Historicamente, BC e Tesouro utilizam metodologias distintas, mas as divergências sempre foram residuais. No entanto, no acumulado de 12 meses até julho, o rombo calculado pelo BC é R$ 39,7 bilhões superior ao apontado pela Fazenda. Em valores corrigidos pela inflação, essa diferença atinge R$ 41,1 bilhões, a maior já registrada, segundo levantamento do economista-chefe da Tullett Prebon Brasil, Fernando Montero.
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Inconsistências Afetam Credibilidade e Transparência
A maior parte dessa discrepância é explicada pela incorporação, pelo Tesouro, de R$ 26 bilhões deixados por trabalhadores nas cotas do PIS/Pasep. Esses valores foram contabilizados como receita em setembro de 2023, após a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição no fim de 2022. O Banco Central, porém, não incluiu esses montantes em seu cálculo.
Além disso, a divergência inclui aproximadamente R$ 8 bilhões referentes a ajustes metodológicos relacionados às compensações aos Estados pela redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e discrepâncias estatísticas mensais. Essas inconsistências levantam dúvidas sobre a real situação fiscal do país.
Especialistas alertam que a falta de alinhamento entre as instituições pode prejudicar a confiança dos investidores e do mercado internacional no compromisso do Brasil com o equilíbrio fiscal. “A credibilidade das contas públicas é fundamental para a manutenção de taxas de juros mais baixas e para a atração de investimentos”, afirma Montero.
Repercussões no Mercado Financeiro
A percepção de risco fiscal pode influenciar diretamente o mercado financeiro, afetando a cotação do dólar, a curva de juros e o desempenho da bolsa de valores. Investidores tendem a exigir prêmios maiores para compensar a incerteza, o que pode encarecer o custo da dívida pública e privada.
A economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, destaca que a divergência entre BC e Fazenda aumenta a desconfiança sobre a capacidade do governo em cumprir a meta fiscal. “Sem transparência e clareza nos números, fica difícil para o mercado calibrar suas expectativas e estratégias”, afirma.
Consequências para a Meta Fiscal e Políticas Públicas
A meta fiscal estabelecida pelo governo para 2024 prevê um déficit primário zero. No entanto, com as divergências nos cálculos do resultado primário, fica incerto se essa meta será alcançada ou não. O próprio arcabouço fiscal atribui ao Banco Central a responsabilidade de verificar o cumprimento da meta, aumentando a relevância dessa discrepância.
A falta de convergência nos números também pode impactar a elaboração e execução de políticas públicas. Sem uma base sólida e confiável de dados, torna-se desafiador planejar investimentos, alocar recursos e implementar medidas de ajuste fiscal.
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Possíveis Soluções e Caminhos a Seguir
Para reduzir as divergências e aumentar a transparência, especialistas sugerem a criação de um comitê técnico entre BC e Ministério da Fazenda para alinhar as metodologias de cálculo. Outra proposta é a publicação de notas explicativas detalhadas que esclareçam as diferenças e seus impactos nos resultados.
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, reconheceu recentemente a necessidade de harmonizar as metodologias e afirmou que estão sendo feitos esforços nesse sentido. No entanto, não estabeleceu um prazo para que isso ocorra.
Análise dos Especialistas e Perspectivas Futuras
A economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), ressalta que a credibilidade fiscal é construída com base em dados confiáveis e políticas consistentes. “Divergências tão significativas entre as principais instituições econômicas do país geram ruídos desnecessários e prejudicam a percepção internacional sobre o Brasil”, afirma.
Para o próximo ano, a expectativa é que o governo intensifique esforços para equilibrar as contas públicas, seja por meio de aumento de receitas ou corte de despesas. A recente aprovação da reforma tributária e a possível reoneração de setores específicos podem contribuir para esse ajuste.
Implicações para a Sociedade e Economia Real
A incerteza fiscal não afeta apenas os mercados financeiros, mas também tem repercussões diretas na economia real. Empresas podem postergar investimentos diante de um cenário nebuloso, o que impacta a geração de empregos e o crescimento econômico.
Além disso, a percepção de descontrole fiscal pode influenciar as expectativas inflacionárias, levando o Banco Central a adotar uma política monetária mais restritiva. Isso significa juros mais altos por mais tempo, encarecendo o crédito para consumidores e empresas.