A mineradora Anglo American confirmou a venda de suas minas de níquel no Brasil para a MMG, subsidiária da estatal chinesa China Minmetals, por US$ 500 milhões. A transação, embora formalmente concluída, gerou forte controvérsia internacional e nacional, especialmente pelo fato de a empresa chinesa ter superado concorrentes que ofereciam propostas superiores — como a Corex Holding, ligada ao grupo turco Yildirim, que teria proposto US$ 900 milhões.
A operação inclui os complexos de Barro Alto e Codemin (Niquelândia), em Goiás, além de projetos de exploração nos estados do Pará e Mato Grosso. Com o acordo, a China, por meio da MMG, passa a controlar cerca de 60% da produção nacional de níquel, o que fortalece significativamente sua participação global nesse mercado estratégico.
Preocupações com soberania e concentração de mercado
A venda levantou preocupações jurídicas e políticas. Pela Constituição Federal, os direitos de exploração mineral no Brasil são outorgados pelo Estado, não podendo ser simplesmente transferidos entre empresas. Especialistas alertam que, na prática, a negociação representa a transferência de concessões estatais para uma subsidiária de uma estatal estrangeira.
O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) foi acionado para investigar possíveis violações à legislação que limita a aquisição de terras rurais por estrangeiros, já que as minas estão situadas em áreas consideradas sensíveis.
Em nota oficial, o Incra manifestou preocupação com a soberania nacional:
“Revela-se contraditório que o Brasil, detentor de significativa diversidade e abundância de recursos minerais estratégicos, permita a sistemática exploração dessas riquezas por agentes estrangeiros.”
Corex contesta no Cade e na União Europeia
A Corex Holding, que perdeu a disputa, formalizou queixas ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e à Comissão Europeia. A empresa alegou que a venda representa uma ameaça à concorrência, uma vez que o domínio chinês sobre o mercado global de níquel já é significativo.
Na denúncia, a Corex afirma que entidades ligadas ao governo chinês poderiam controlar 60% do fornecimento global de níquel, o que representa um nível de poder de mercado preocupante, com implicações estruturais para o Brasil e para o comércio global.
Além disso, alertou para impactos diretos no Brasil:
“A redução no número de fornecedores independentes pode limitar opções de compra para compradores brasileiros, afetando preços, prazos de entrega e confiabilidade no fornecimento.”
Estados Unidos e União Europeia reagem
A venda também provocou reações nos Estados Unidos. O AISI (Instituto Americano do Ferro e do Aço) pediu ao governo do presidente Donald Trump que pressione o Brasil a rever o acordo, sob o argumento de que a operação reforça a dependência da cadeia global de minerais críticos em relação à China.
Na União Europeia, a empresa turca Yildirim sustentou que a venda compromete a segurança de fornecimento e pediu que os projetos de níquel no Brasil sejam reconhecidos como estratégicos sob o Critical Raw Materials Act, o que poderia barrar ou revisar a transação.
Contexto geopolítico e presença chinesa no setor
Nos últimos anos, a Anglo American tem reforçado sua atuação na Ásia. Em 2023, a mineradora assinou um memorando com a Jiangxi Copper, grande produtora de cobre da China, para desenvolver cadeias de suprimento mais sustentáveis. Também firmou acordos com Sinochem Fertilizer e BeiFeng AMP para expandir a atuação em polihalita, um fertilizante estratégico, no mercado chinês e no Reino Unido.
Esses movimentos indicam uma estratégia de consolidação de negócios estratégicos fora do Brasil, ao mesmo tempo em que a empresa reduz sua exposição ao setor de níquel no país.
O que dizem as empresas
A Anglo American afirmou que a venda está alinhada à sua estratégia de foco em ativos prioritários, como cobre, ferro e nutrientes agrícolas. Já a MMG, compradora das operações, se comprometeu a cumprir todas as exigências regulatórias e declarou que o acordo:
“Representa uma grande realização para empregados, comunidades locais e acionistas.”
A venda das minas de níquel da Anglo American à China Minmetals, por meio da MMG, levanta não apenas discussões comerciais e regulatórias, mas também geopolíticas. O Brasil, agora com grande parte da produção nacional nas mãos de uma estatal chinesa, se vê no centro de um debate global sobre soberania mineral, segurança de fornecimento e estratégia industrial em tempos de crescente tensão internacional.