Após uma série de derrotas no Congresso e a retirada da MP do IOF, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começou a redesenhar sua estratégia fiscal para 2026.
Com um rombo estimado de R$ 46 bilhões nas contas públicas, o Ministério da Fazenda busca alternativas para recompor receitas — e o caminho escolhido pode passar pela criação de novos impostos e mudanças regulatórias sobre setores hoje beneficiados por isenções.
Segundo apuração do Valor Econômico e da CNN Brasil, a equipe econômica liderada por Fernando Haddad já prepara novas medidas tributárias e ajustes regulatórios com potencial de arrecadar até R$ 10 bilhões no próximo ano, reduzindo o peso da derrota na Câmara dos Deputados.
Após derrota da MP, governo busca “plano B” para elevar arrecadação
A rejeição da MP 1.303, que previa a compensação do IOF, expôs o impasse político entre o governo e o Congresso.
O texto previa uniformizar alíquotas de aplicações financeiras e reduzir brechas de compensações tributárias — mas enfrentou resistência de setores como o agronegócio, fintechs e mercado financeiro.
Com a pressão de lobbies, o relator Carlos Zarattini (PT-SP) recuou em pontos sensíveis, e a medida acabou derrubada.
Agora, a equipe de Haddad tenta reapresentar parte do conteúdo em outro formato, como decreto, projeto de lei com urgência ou até mudança regulatória via Conselho Monetário Nacional (CMN).
Reedição da regra de compensações e combate a fraudes
Uma das propostas na mesa é reeditar a norma que limita o uso de créditos tributários entre empresas de diferentes setores — prática apontada pela Fazenda como fonte de fraudes fiscais e distorções.
A nova regra impediria, por exemplo, que indústrias automotivas usem créditos de alimentos para abater impostos.
O texto, que já havia sido negociado com grandes companhias e apoiado pela Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), pode render R$ 10 bilhões em receitas adicionais em 2026.
Segundo fontes da equipe econômica, a medida deve enfrentar pouca resistência no Congresso, por ser vista como ajuste técnico e não aumento direto de imposto.
Taxação das apostas online (“bets”) ganha força
Outra frente em estudo é a elevação da taxação sobre as empresas de apostas online, as chamadas “bets”.
Atualmente, o setor paga cerca de 12% em tributos, mas o governo avalia cobrança retroativa sobre lucros anteriores à regulamentação e fechamento de brechas fiscais, o que poderia acrescentar até R$ 10 bilhões à arrecadação entre 2025 e 2026.
A medida tem baixo custo político — já que o setor é alvo de críticas públicas e investigações — e alto apelo popular, o que facilita o avanço de uma proposta de endurecimento tributário.
CMN pode apertar regras sobre LCIs, LCAs, CRIs e CRAs
Paralelamente, o governo estuda usar o Conselho Monetário Nacional (CMN) para mudar regras de emissão e lastro de títulos isentos de Imposto de Renda, como LCIs, LCAs, CRIs e CRAs.
A ideia é reduzir a atratividade desses papéis e conter a migração de investidores dos títulos públicos para os privados — movimento que encarece a rolagem da dívida federal.
Atualmente, apenas 65% dos recursos captados por esses papéis chegam aos setores produtivos declarados, como agropecuária e construção civil, segundo dados internos da Fazenda.
O endurecimento regulatório — ainda que não seja um novo imposto formal — teria efeito prático equivalente, encarecendo operações e redirecionando o fluxo de capital ao Tesouro Nacional.
Haddad e Gleisi reforçam discurso de equilíbrio fiscal
Em meio às críticas, o ministro Fernando Haddad e a ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) têm reforçado o discurso de que o governo não pretende rever a meta fiscal.
Segundo Gleisi, o Planalto vai buscar alternativas para fechar o orçamento de 2026, mesmo com o revés no Congresso.
“Tem de fechar o orçamento. Vai dar certo”, afirmou a ministra, em tom de confiança.
Dentro da Fazenda, técnicos também avaliam congelar R$ 12,1 bilhões em despesas no orçamento de 2025 e avançar sobre benefícios fiscais que somam R$ 800 bilhões anuais, além de considerar aumentos no IOF e no IPI, impostos que podem ser alterados sem aprovação do Congresso.
Pressão política e impacto econômico
Com um cenário político dividido, o governo busca medidas que não dependam do aval legislativo direto, apostando em decretos e ajustes administrativos.
Mas economistas alertam que a estratégia pode minar a confiança do mercado e gerar efeitos indiretos sobre o crédito e o consumo.
A incerteza fiscal — somada à inflação persistente e juros ainda elevados — deve manter o cenário econômico tenso até o fim do ano.
Enquanto isso, o investidor observa: a conta de 2026 precisa fechar, e o governo parece disposto a fazer de tudo para isso acontecer — inclusive criar novos impostos.