Depois de não conseguir apoio no Congresso para elevar em 5% a tributação sobre os investimentos isentos, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, encontrou um novo caminho para equilibrar as contas: endurecer a regulação de LCAs e LCIs.
A decisão foi confirmada nesta terça-feira (7), em Brasília, após reunião com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o relator da MP das Taxações, Carlos Zarattini (PT-SP). O plano agora é levar o tema ao Conselho Monetário Nacional (CMN) e propor ajustes diretos nas regras que regem as chamadas letras isentas — títulos privados que escapam da cobrança de Imposto de Renda.
O problema, segundo Haddad, é que esses papéis se tornaram “competidores indesejados” dos títulos públicos, drenando a demanda por Tesouro Direto e encarecendo a rolagem da dívida brasileira.
Quando o investimento isento vira dor de cabeça
A fala do ministro expôs um incômodo crescente dentro da equipe econômica. Com a Selic estacionada em 15% ao ano, os títulos privados com isenção de IR, como LCA (Letra de Crédito do Agronegócio) e LCI (Letra de Crédito Imobiliário), passaram a oferecer retornos líquidos muito superiores aos papéis do Tesouro.
“Esses títulos estão competindo com a rolagem da dívida pública”, afirmou Haddad. “Vamos adequar a regulação para canalizar esses recursos aos produtores, como era a intenção original.”
Na prática, isso significa que o governo quer impedir que bancos e financeiras usem LCAs e LCIs como substitutos de títulos públicos na carteira dos investidores — algo que vinha ocorrendo nos últimos meses, com forte migração de recursos para o setor privado.
Uma regulação com cara de freio
A proposta de Haddad é revisar a destinação obrigatória dos recursos captados por esses títulos. Hoje, parte significativa das emissões acaba sendo direcionada a operações financeiras de baixo risco, sem necessariamente chegar à ponta produtiva — como o crédito para o agronegócio ou para a construção civil, setores que justificaram sua criação.
“Vamos aumentar o direcionamento e garantir que esse dinheiro chegue ao produtor”, disse o ministro, enfatizando que não se trata de uma nova taxação, mas de um ajuste regulatório com efeito fiscal.
Em outras palavras: se não pode tributar, o governo vai restringir.
O pano de fundo político
A iniciativa vem logo após a MP 1303 ser ajustada no Congresso. O novo parecer de Zarattini manteve a isenção de LCAs, LCIs, CRIs e CRAs, contrariando a proposta original do governo, que previa alíquota de 5% para todos esses papéis.
A derrota legislativa obrigou a Fazenda a buscar alternativas via Conselho Monetário Nacional, onde a mudança de regra depende apenas de decisão administrativa — sem precisar de aval do Congresso.
É uma estratégia silenciosa, mas eficaz: enquanto a tributação sofre resistência política, a regulação pode mudar por decreto.
O dilema do investidor
Se confirmada, a medida pode reduzir a atratividade das LCAs nos próximos meses. Na prática, isso tende a afetar os investidores de varejo que migraram para esse tipo de título em busca de rendimentos líquidos maiores e segurança equivalente à da poupança.
Com as letras menos acessíveis ou com regras mais restritas, o dinheiro deve voltar a circular em títulos públicos federais, como o Tesouro Selic ou Tesouro IPCA+.
O movimento é visto dentro do governo como uma forma de aliviar o custo da dívida, que já ultrapassa R$ 6,6 trilhões, mas também pode reduzir a oferta de crédito para o agronegócio e a construção civil — setores que dependem fortemente dessas captações.
Um equilíbrio delicado
A regulação de LCAs se tornou, portanto, o novo campo de batalha entre o governo e o mercado. De um lado, a Fazenda tenta evitar que o investidor pessoa física abandone o Tesouro Nacional; do outro, os bancos defendem que as letras são essenciais para irrigar setores produtivos e reduzir a concentração do crédito estatal.
O desafio será encontrar um ponto de equilíbrio: conter a fuga de recursos da dívida pública sem estrangular o financiamento privado.
Por enquanto, o que se sabe é que Haddad pretende levar a proposta ao CMN ainda em outubro, e que o tom não é de negociação — é de determinação. “Vamos ter que mexer na regulação. Isso é imperativo”, disse o ministro.
Conclusão: o novo front da política fiscal
Se a taxação não passou, a regulação vai resolver. É essa a lógica que orienta a equipe econômica neste momento. O governo tenta blindar a rolagem da dívida e evitar que o mercado de crédito privado roube a cena — ou, nas palavras de Haddad, “dispute com o Tesouro o apetite do investidor”.
O aperto na regulação de LCAs e LCIs é mais um capítulo de uma disputa silenciosa por dinheiro e confiança. E, no Brasil, esses dois elementos sempre valem ouro.