O novo consignado — uma das principais apostas do governo federal para ampliar o acesso ao crédito e impulsionar o consumo — atingiu R$ 45 bilhões em contratações até o final de setembro, segundo dados oficiais do Ministério da Fazenda obtidos pela reportagem.
Se mantiver o ritmo atual de concessão, o programa poderá injetar mais R$ 20 bilhões na economia até o fim de 2025, consolidando-se como uma das maiores iniciativas de crédito dos últimos anos.
O montante considera apenas novas operações, sem incluir contratos antigos transferidos ou renegociados na plataforma do Crédito do Trabalhador. Quando esses são somados, o estoque total do programa chega a R$ 79 bilhões.
O novo consignado é visto pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como um instrumento estratégico para democratizar o acesso ao crédito com juros mais baixos e, ao mesmo tempo, estimular o consumo em um momento de desaceleração econômica. Mas, junto com os avanços, o programa enfrenta desafios operacionais, resistência de bancos e críticas sobre o risco de aumento do endividamento das famílias.
Crescimento acelerado e números surpreendentes
De acordo com Marcos Pinto, secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, o desempenho do novo consignado superou todas as expectativas.
“Em seis meses, o novo modelo ultrapassou o antigo, que existia há mais de 20 anos”, afirmou.
Segundo o Banco Central, o estoque do consignado privado até fevereiro — antes da criação da nova modalidade — era de cerca de R$ 41 bilhões.
Somente em setembro, as instituições financeiras concederam, em média, R$ 307,7 milhões por dia útil, ritmo que, se mantido, resultará em R$ 19,7 bilhões adicionais entre outubro e dezembro.
Apesar do avanço, o programa teve um início conturbado, com falhas na escrituração de contratos, atrasos no cadastramento das empresas e altas taxas de inadimplência em pequenas companhias. Pinto reconhece os problemas, mas diz que “a situação já está bem melhor e não afeta o ritmo de concessões”.
Juros em queda, mas ainda acima do consignado antigo
A taxa média de juros do novo consignado caiu de 3,69% ao mês em abril para 2,91% em setembro, de acordo com dados oficiais que incluem também as operações renegociadas.
Apesar da redução, os juros ainda estão acima dos cobrados pelo consignado tradicional, o que reflete o maior risco de crédito entre os novos tomadores.
Um relatório do Banco Central explica o motivo: o público do novo consignado é formado, em sua maioria, por trabalhadores de renda mais baixa, com menor escolaridade e vínculo recente com as empresas. Além disso, muitos atuam em negócios de pequeno porte, o que aumenta a percepção de risco por parte dos bancos.
Mesmo assim, o governo argumenta que a modalidade reduz o custo médio do crédito para uma parcela da população que antes só tinha acesso a empréstimos pessoais com juros de até 11% ao mês.
“Esse é um passo inicial. Agora, com a entrada de mais bancos e fintechs, esperamos que a competição reduza ainda mais as taxas”, diz Pinto.
Bancos resistem à migração para o Crédito do Trabalhador
A plataforma do Crédito do Trabalhador, que centraliza os contratos de novo consignado, também enfrenta resistência de alguns bancos.
Instituições financeiras têm demorado a migrar contratos antigos, o que atrasa a consolidação do novo sistema.
Segundo fontes do Ministério da Fazenda, entre os cinco maiores bancos do país, o Bradesco estaria entre os que pediram mais prazo para concluir a migração, originalmente fixada para 20 de outubro.
A Caixa Econômica Federal também enfrenta atrasos, mas por motivos tecnológicos.
Já o Santander afirma que “quase 100% dos contratos de crédito consignado privado já foram migrados”, enquanto o Banco do Brasil e o Itaú garantem que cumprirão o cronograma.
O impasse tem relação direta com a competição bancária.
Ao migrar contratos para a nova plataforma, os bancos perdem o controle exclusivo sobre o cliente, que passa a ter liberdade para transferir o empréstimo para outra instituição que ofereça juros menores.
O governo vê isso como um avanço de mercado, mas parte do setor financeiro encara como risco de perda de receitas.
Especialistas alertam para o risco de endividamento
Economistas e especialistas em finanças pessoais alertam que, apesar dos benefícios, o novo consignado pode agravar o endividamento das famílias brasileiras.
Segundo uma análise do Banco Central, há indícios de que o crédito concedido não tem sido usado apenas para substituir dívidas antigas, mas também para financiar novos gastos.
O relatório mostra que, nos primeiros meses de implementação, o endividamento total dos tomadores cresceu mais do que o volume concedido pela nova modalidade.
Isso indica que muitos consumidores continuam contratando outras linhas de crédito paralelas, o que pode pressionar o orçamento familiar.
Mesmo assim, o BC reconhece que o programa pode ter efeitos positivos ao oferecer empréstimos mais baratos para um público que antes dependia de opções mais caras.
“Talvez houvesse uma demanda reprimida por crédito. Nesse cenário, o novo consignado apenas viabilizou esse movimento de forma mais barata”, diz o relatório.
FGV alerta: medida requer cuidado para evitar superendividamento
Para Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV (FGVcemif), o novo consignado representa um avanço, mas exige cautela.
“O brasileiro já tem um nível alto de comprometimento de renda. A modalidade pode, sim, agravar o superendividamento se não houver educação financeira e critérios rígidos de concessão”, afirma.
Ele reconhece o potencial do programa em substituir dívidas caras por outras mais baratas, mas destaca que muitos empréstimos acabam sendo usados para despesas correntes, como consumo básico, o que dificulta a quitação do saldo.
Segundo Gonzalez, o volume de crédito atual — R$ 45 bilhões — ainda está abaixo do potencial estimado, que poderia alcançar até R$ 100 bilhões até o fim do ano.
“Os problemas operacionais atrasaram o crescimento, mas no longo prazo o modelo pode amadurecer e atingir o tamanho esperado”, diz o pesquisador.
Expansão de crédito e impactos macroeconômicos
Economistas alertam que a expansão do crédito impulsionada pelo novo consignado pode interferir na política monetária e dificultar o controle da inflação.
Uma oferta maior de crédito tende a aumentar o consumo, o que pode pressionar os preços e forçar o Banco Central a manter juros altos por mais tempo.
“O sinal preponderante é de desaquecimento econômico, mas o consignado puxa o outro lado da corda”, explica Gonzalez.
“Se o crédito continuar crescendo nesse ritmo, o governo terá que equilibrar a expansão com medidas de controle fiscal.”
Ainda assim, dentro do governo, a avaliação é positiva.
Para a equipe econômica, o programa conseguiu expandir o crédito de forma responsável, com redução gradual dos juros e maior inclusão financeira de trabalhadores de baixa renda.