A Receita Federal vai intensificar o combate à lavagem de dinheiro comandada por organizações criminosas como o PCC, com novas exigências de transparência aplicáveis aos fundos de investimento. A principal mudança será a obrigação de identificação dos beneficiários finais nas operações financeiras — incluindo quem está por trás de estruturas complexas envolvendo múltiplos fundos.
A medida foi anunciada no contexto da Operação Spare, deflagrada nesta quinta-feira, 25, como desdobramento da Operação Carbono Oculto, de agosto, que revelou ligações diretas entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o mercado financeiro.
Fundos exclusivos na mira: Receita quer saber quem está por trás do dinheiro
A nova Instrução Normativa, segundo o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, deve ser publicada até outubro. O texto obrigará os administradores de fundos, principalmente os fundos exclusivos, a identificar os destinatários finais dos recursos movimentados — indo além dos CNPJs e chegando até o CPF de quem realmente detém o controle do dinheiro.
Hoje, esse tipo de rastreamento já é exigido em setores específicos da economia, mas os fundos de investimento ainda operam com brechas, especialmente quando estão estruturados com múltiplas camadas de titularidade.
“É uma norma feita com o mercado. É boa para o setor, porque separa o joio do trigo”, afirmou Barreirinhas.
PCC controlava mais de 40 fundos com R$ 30 bilhões
A Operação Carbono Oculto revelou que o PCC controlava diretamente ou por meio de “laranjas” e empresas de fachada ao menos 40 fundos de investimento multimercado e imobiliários, com patrimônio estimado em R$ 30 bilhões.
Esses fundos eram utilizados para lavar dinheiro de atividades ilícitas, como tráfico de drogas, contrabando e esquemas de corrupção.
A nova fase, Operação Spare, aprofunda essa investigação, com foco em postos de combustíveis, motéis, lojas de franquias, hotéis e empresas do setor de construção civil, além de indivíduos suspeitos de atuar como intermediários no processo de ocultação de patrimônio.
Esquema do PCC envolvia rede com centenas de empresas
Com base em quebra de sigilos fiscal e telemático, o Ministério Público de São Paulo identificou uma rede composta por:
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267 postos de combustíveis
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60 motéis
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98 lojas de franquia de perfumaria
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Sociedades em conta de participação (SCPs) no setor da construção
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Diversas empresas de fachada e pessoas físicas utilizadas como “laranjas”
Todas essas estruturas seriam usadas para disfarçar a origem ilícita do dinheiro e reintroduzi-lo no sistema financeiro formal por meio de investimentos — inclusive nos citados fundos exclusivos.
Receita atrasou norma a pedido do mercado e órgãos de inteligência
Inicialmente prevista para agosto, a publicação da Instrução Normativa foi adiada duas vezes: uma a pedido da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), e outra a pedido de órgãos de inteligência, que solicitaram tempo para avaliar e contribuir com sugestões ao texto final.
O secretário da Receita afirma que o objetivo não é dificultar o ambiente de negócios, mas aumentar a rastreabilidade de recursos em estruturas sofisticadas, que têm sido exploradas por facções criminosas.
Receita já havia apertado o cerco contra fintechs
Essa será a segunda mudança relevante promovida pela Receita Federal após as descobertas da Carbono Oculto. Em agosto, o órgão determinou que fintechs passassem a cumprir as mesmas obrigações de transparência dos bancos tradicionais, como parte do esforço de combate à lavagem de dinheiro.
Essas empresas têm até outubro para entregar informações retroativas sobre movimentações realizadas no primeiro semestre de 2025, reforçando a capacidade do Fisco de detectar transações suspeitas antes que sejam ocultadas por estruturas financeiras complexas.
Fundos exclusivos: o que são e por que viraram alvo
Os fundos exclusivos são veículos de investimento criados sob medida para investidores de altíssima renda. Têm uma quantidade limitada de cotistas, geralmente um único titular ou família, e oferecem vantagens fiscais e de gestão personalizada.
Por essas características, também se tornaram atrativos para quem deseja esconder a origem de recursos ou camuflar transações entre empresas de fachada. A ausência de regras de identificação detalhada contribuiu para que fossem explorados por redes como a do PCC.
Com a nova norma, a Receita espera fechar definitivamente essa brecha.
Combate à lavagem avança com nova regulação
Com a identificação de R$ 30 bilhões em fundos ligados ao PCC, a Receita Federal intensifica a ofensiva contra a lavagem de dinheiro no mercado financeiro. A exigência de identificação dos beneficiários finais visa tornar impraticável o uso de fundos como ferramentas para esconder capital ilícito, aumentando a transparência e a segurança jurídica do setor.
O novo regramento deve ser publicado em outubro e representa mais um passo na tentativa do governo de asfixiar financeiramente o crime organizado, especialmente grupos com atuação nacional como o PCC.