As companhias aéreas Gol (GOLL54) e Azul (AZUL4) voltaram ao centro do debate público nesta terça-feira (24), ao negarem veementemente qualquer possibilidade de fusão e rechaçarem acusações de combinação de preços no setor de aviação. O tema foi discutido em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, que contou com a presença de executivos das empresas e representantes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Fusão entre Gol e Azul: passado ou presente?
O gerente de Relações Institucionais da Azul, Camilo Coelho, admitiu que houve discussões preliminares sobre uma possível fusão entre as duas empresas durante o período mais crítico da pandemia de Covid-19. Na época, o setor aéreo enfrentava sérias dificuldades financeiras, com forte redução da demanda e alta dos custos operacionais.
Segundo Coelho, no entanto, esse cenário já não existe mais.
“A fusão não é um fato. Nós não chegamos a submeter formalmente nada ao Cade. Fizemos apenas um formulário de consulta, em outro ambiente, em outro momento. Esse assunto ficou para trás. O foco da Azul agora é terminar sua recuperação judicial e seguir com a retomada”, afirmou.
Do lado da Gol, o assessor da presidência Alberto Fajerman também reconheceu que houve conversas exploratórias no passado, mas reforçou que a hipótese foi descartada.
“As dificuldades financeiras pós-pandemia nos levaram a avaliar alternativas, mas essa possibilidade foi totalmente abandonada. Hoje a Gol segue em trajetória independente, após concluir sua recuperação judicial em junho deste ano”, disse.
Cade investiga combinação de preços entre Gol, Azul e Latam
O debate na Câmara também girou em torno de outro ponto sensível: a suspeita de combinação de preços de passagens aéreas entre Gol, Azul e Latam.
O presidente do Cade, Gustavo Augusto Freitas de Lima, afirmou que há um processo em andamento no órgão para analisar denúncias relacionadas ao caso.
“Ainda não é possível chegar a uma conclusão definitiva, mas os dados indicam indícios de problemas de rivalidade. O que nos chama atenção é que, mesmo em um momento de crescimento da demanda por voos, observamos redução no número de rotas e aumento médio no preço das passagens”, explicou.
De acordo com Freitas de Lima, embora a investigação não esteja concluída, já foram identificados movimentos que levantam suspeitas de alinhamento entre as empresas, prática que poderia configurar infração à ordem econômica.
Azul rebate: rotas reduzidas por necessidade financeira
Durante a audiência, Camilo Coelho buscou explicar que as operações conjuntas feitas com a Latam e, posteriormente, com a Gol durante a pandemia não tiveram caráter anticoncorrencial. Segundo ele, tratava-se de rotas em que as companhias não concorriam entre si anteriormente.
“Essas operações conjuntas ocorreram em um momento de crise extrema. Não houve redução de concorrência, e sim uma forma de manter rotas que poderiam ser desativadas naquele contexto”, disse.
No entanto, pesquisa apresentada por Juliana Oliveira Domingues, presidente do Instituto Brasileiro de Concorrência e Inovação (IBCI) e professora da USP, mostrou outro panorama.
De acordo com o estudo, a parceria entre Azul e Gol resultou na redução do número de rotas e no aumento médio de 23% no preço das passagens.
Coelho respondeu que a redução de voos pela Azul estava diretamente ligada ao processo de recuperação judicial iniciado em julho de 2025. “O corte foi uma necessidade para redução de custos, não uma estratégia para encarecer preços”, afirmou.
Insatisfação crescente com o setor aéreo
O tema também abriu espaço para críticas mais amplas sobre a qualidade dos serviços aéreos no Brasil. O deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) destacou a insatisfação da população.
“Há uma percepção generalizada de que os serviços pioraram, seja em pontualidade, seja em preços e atendimento. Precisamos identificar claramente os fatores responsáveis por essa situação e cobrar soluções das empresas e das autoridades”, disse.
Os números apresentados pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) corroboram esse cenário. Entre 2023 e agosto de 2025, foram registradas mais de 240 mil reclamações fundamentadas contra empresas aéreas na plataforma consumidor.gov.br, segundo o diretor do órgão, Vitor Hugo do Amaral Ferreira.
Recuperação judicial e desafios financeiros
Apesar das negativas sobre fusão, tanto a Gol quanto a Azul ainda enfrentam grandes desafios financeiros.
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A Gol concluiu em junho sua recuperação judicial, que começou em 2024, após acumular dívidas bilionárias com arrendadores de aeronaves e fornecedores.
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A Azul, por sua vez, entrou em recuperação judicial em julho de 2025 e segue em processo de renegociação de dívidas, buscando preservar suas operações.
Analistas apontam que, mesmo com as dificuldades, ambas as empresas têm buscado alternativas para garantir competitividade em um setor marcado por custos elevados, câmbio instável e alta dependência do preço do combustível de aviação.
O futuro do setor aéreo brasileiro
O episódio reforça a necessidade de maior transparência e fiscalização no setor aéreo brasileiro, que atualmente é altamente concentrado entre três grandes players: Gol, Azul e Latam.
Especialistas em aviação defendem que o Cade deve atuar com firmeza para garantir condições de concorrência justas, enquanto o governo pode avaliar políticas públicas que incentivem novos entrantes no mercado, ampliando a oferta de voos e reduzindo preços para os consumidores.
Por ora, Gol e Azul insistem que seguirão trajetórias independentes e que suas prioridades estão voltadas para o equilíbrio financeiro e a melhoria dos serviços prestados. Entretanto, a pressão política, judicial e regulatória promete manter o tema no radar por um longo tempo.
A negativa de fusão entre Gol e Azul e as acusações de combinação de preços revelam um setor aéreo brasileiro em transformação, mas ainda marcado por desafios estruturais. Enquanto as empresas trabalham para superar crises financeiras e recuperar credibilidade, consumidores e autoridades seguem atentos às práticas adotadas.
A depender dos resultados das investigações do Cade, o mercado pode passar por novos ajustes que terão impacto direto nos preços das passagens e na competitividade do setor.