A inflação de serviços voltou a acelerar em agosto de 2025 e reacendeu os alertas entre economistas, investidores e autoridades monetárias. O comportamento do setor, considerado um dos mais persistentes no índice de preços, pode colocar em risco o cenário de cortes da Selic, que vinha sendo projetado para o início de 2026.
Segundo relatório macroeconômico do BTG Pactual, apesar de o IPCA ter apresentado queda de 0,11% em agosto, as leituras de serviços surpreenderam negativamente, interrompendo a tendência de desaceleração observada ao longo do primeiro semestre. Enquanto os preços de bens comercializáveis, como alimentos e produtos industriais, se beneficiaram da apreciação cambial e da redução das commodities, o núcleo de serviços intensivos em trabalho acelerou de 5,5% para 6,2% na taxa anualizada trimestral (3M SAA).
O núcleo de serviços subjacente, mais amplo, também mostrou resistência. Ainda que tenha desacelerado de 6,0% para 5,8%, essa queda foi influenciada por um fator pontual: os descontos da “Semana do Cinema”, que reduziram os preços de ingressos. Sem esse efeito, a inflação do setor teria sido ainda mais intensa.
Serviços se tornam obstáculo para queda da inflação
Desde o final de 2024, a inflação de serviços vinha registrando um comportamento mais benigno, sustentando expectativas de que o ciclo de aperto monetário, com Selic em 15%, começaria a ser revertido ainda em 2025. No entanto, os dados mais recentes esfriaram esse otimismo.
Bruno Balassiano, economista do BTG Pactual, destacou no relatório que a aceleração dos serviços “levou a um pequeno aumento da inflação implícita na curva de juros de curto prazo”, reforçando a percepção de que o Banco Central terá menos espaço para reduzir os juros neste ano.
Além disso, a difusão da inflação — medida que avalia o quanto os aumentos de preços estão espalhados entre os diferentes itens do IPCA — também aumentou em agosto, sinalizando que as pressões não se concentram apenas em segmentos específicos.
Mercado de trabalho resiliente pressiona preços
A resistência da inflação de serviços está diretamente ligada à dinâmica do mercado de trabalho. Embora haja sinais de desaceleração na economia, o emprego formal e a massa salarial ainda se mantêm em níveis relativamente robustos.
No acumulado de julho, a massa salarial habitual cresceu 6,4% em termos reais, impulsionada por uma base de comparação fraca em 2024. Já o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostrou criação líquida de 129,8 mil empregos formais, número consistente com uma economia que cresce próximo ao seu potencial.
Essa resiliência dificulta a queda da inflação de serviços, já que segmentos intensivos em mão de obra, como restaurantes, turismo, transporte e lazer, repassam com mais facilidade os custos para os consumidores.
Perspectivas para o IPCA e riscos climáticos
Apesar do resultado negativo em agosto, o BTG manteve sua projeção de inflação em 4,8% para 2025 e reduziu ligeiramente a estimativa para 2026, de 4,3% para 4,2%, graças a revisões pontuais em itens administrados, como o IPVA no Paraná.
Ainda assim, o relatório alerta para riscos relevantes que podem elevar o índice. Entre eles, o fenômeno climático La Niña, cuja probabilidade de ocorrência no quarto trimestre foi elevada para 71% pela NOAA. A mudança pode atrasar a safra agrícola e reduzir o nível dos reservatórios de energia, aumentando as chances de aplicação de bandeiras tarifárias mais caras no setor elétrico.
Segundo as projeções, caso seja acionada a bandeira amarela em dezembro, o impacto seria de +0,10 ponto percentual no IPCA. Se a bandeira vermelha 1 for necessária, o efeito pode chegar a +0,23 ponto percentual.
Selic deve seguir em 15% até 2026
Com a inflação de serviços ainda resistente, o BTG avalia que o Banco Central não terá espaço para iniciar cortes de juros em 2025. A instituição manteve o cenário-base de Selic estável em 15% ao ano até dezembro, com início da flexibilização apenas em janeiro de 2026.
Para que houvesse antecipação desse movimento, seria necessário observar ao menos dois dos seguintes vetores: uma desaceleração mais clara no mercado de trabalho, surpresas baixistas relevantes no IPCA ou avanço adicional na reancoragem das expectativas de inflação.
No entanto, os dados atuais não corroboram esse cenário. Pelo contrário, reforçam a leitura de que os cortes devem ser mais graduais, possivelmente limitados a 300 pontos-base em 2026, levando a taxa para 12% no fim do próximo ano.
Desafios para a política econômica
A inflação de serviços também coloca pressão adicional sobre a política fiscal. O relatório aponta que, embora o governo tenha mantido a projeção de déficit primário em R$ 72 bilhões para 2025, a execução orçamentária precisará se manter disciplinada para evitar maior deterioração.
O quadro externo, por outro lado, continua favorável. O BTG revisou para cima sua projeção de superávit comercial, de US$ 65 bilhões em 2025 para US$ 70 bilhões em 2026, apoiado principalmente nas exportações de petróleo. Isso deve ajudar a equilibrar as contas externas, mesmo com déficits em transações correntes próximos de 3,3% do PIB em 2025.
Inflação de serviços: o principal obstáculo
Em resumo, o comportamento da inflação de serviços se tornou o principal obstáculo à convergência da inflação para a meta e ao início do ciclo de afrouxamento monetário no Brasil. A combinação entre mercado de trabalho resiliente, custos elevados e pressões climáticas pode prolongar a persistência dos preços no setor, reduzindo o espaço para cortes mais agressivos de juros.
Para o BTG, ainda há espaço para um “pouso suave” da economia brasileira até 2026, mas o sucesso dessa trajetória depende da capacidade do Banco Central de equilibrar expectativas e manter o controle sobre as pressões de serviços. Caso contrário, a inflação poderá seguir acima do esperado, adiando o alívio para empresas, famílias e investidores.