O mercado financeiro global vive um momento de transição importante. Recentemente, os Estados Unidos aprovaram a Lei Genius, que estabelece regras para a emissão e circulação das stablecoins — criptomoedas com lastro em ativos reais, principalmente o dólar norte-americano. A decisão trouxe à tona um intenso debate: essas moedas digitais podem reforçar a hegemonia do dólar ou, ao contrário, enfraquecê-lo ao longo do tempo?
Enquanto alguns especialistas veem nas stablecoins uma forma de ampliar o alcance do dólar e modernizar o sistema de pagamentos, outros alertam para riscos de instabilidade financeira e para a possível erosão da singularidade da moeda americana.
A visão otimista: stablecoins como reforço ao dólar
Brian Brooks, presidente e CEO do Meridian Capital Group e ex-chefe do Office of the Comptroller of the Currency (OCC), acredita que as stablecoins representam um divisor de águas para o sistema financeiro. Segundo ele, esse modelo de criptomoeda será praticamente universal dentro de cinco anos, e os próximos três anos marcarão a verdadeira “corrida do ouro” para os emissores.
Na visão de Brooks, as stablecoins são uma ferramenta poderosa para economias emergentes e instáveis, como a Argentina, onde a população já adota criptomoedas como forma de proteção contra a inflação. Além disso, esses ativos podem revolucionar o mercado de remessas internacionais, reduzindo taxas que hoje chegam a 7% em operações transfronteiriças.
Outro ponto favorável é o efeito sobre os títulos do Tesouro dos EUA. A Lei Genius exige que cada stablecoin emitida seja lastreada em ativos reais, como papéis públicos norte-americanos. Isso cria uma demanda crescente por esses títulos, o que, na visão de Brooks, fortalece a posição do dólar como reserva de valor global.
O lado cético: stablecoins e o risco de caos financeiro
Por outro lado, Barry Eichengreen, professor de Economia da Universidade da Califórnia, adota uma visão mais crítica. Para ele, a expansão das stablecoins pode gerar “caos econômico” e corroer a singularidade do dinheiro.
Eichengreen alerta que a proliferação de tokens diferentes, cada um com características próprias, pode criar um sistema fragmentado. Isso forçaria comerciantes e consumidores a verificar constantemente o valor de cada stablecoin recebida, gerando ineficiências e custos adicionais para o sistema de pagamentos.
O professor lembra que os EUA já experimentaram moedas privadas no passado, com resultados desastrosos para a estabilidade financeira. Ele cita ainda exemplos recentes, como o colapso de fundos de investimento e do Silicon Valley Bank (SVB), para reforçar o argumento de que crises de liquidez podem se tornar mais graves com a popularização das stablecoins.
Outro risco apontado é a volatilidade no mercado de títulos públicos. Caso haja um resgate em massa, emissores poderiam ser forçados a liquidar rapidamente grandes volumes de Treasuries, desestabilizando o mercado.
Stablecoins: solução ou ameaça?
Enquanto Brooks enxerga as stablecoins como o futuro do sistema financeiro global, Eichengreen vê nelas um risco de fragmentação e instabilidade. Nos Estados Unidos, onde já existem sistemas bancários sólidos e eficientes, o professor questiona se realmente há benefícios significativos para o cidadão comum.
Ele lembra que bancos tradicionais oferecem proteções que as stablecoins ainda não podem garantir, como seguro contra perdas (FDIC) e mecanismos de combate a fraudes. Por isso, acredita que, ao menos no contexto norte-americano, os riscos superam as vantagens.
O que esperar daqui para frente
Apesar das divergências, é inegável que o avanço das stablecoins vai remodelar o sistema financeiro internacional. Seja como reforço à hegemonia do dólar ou como potencial ameaça à sua estabilidade, essas moedas digitais já conquistaram espaço em economias emergentes e começam a impactar diretamente políticas públicas e estratégias de bancos centrais.
O debate sobre se as stablecoins serão o futuro ou a ruína do dólar ainda está longe de terminar. O certo é que, com a Lei Genius, os Estados Unidos deram um passo decisivo para regulamentar esse mercado — e as consequências serão sentidas em escala global nos próximos anos.