O pregão desta terça-feira (19) trouxe um cenário preocupante para o setor bancário brasileiro. As principais ações de bancos listadas na B3 — Banco do Brasil (BBAS3), Itaú (ITUB4), Bradesco (BBDC4) e Santander (SANB11) — registraram fortes quedas, puxando o índice Ibovespa para baixo em meio a um dia já marcado por instabilidade global.
Às 12h05, o Banco do Brasil despencava 3,89%, Itaú recuava 4,03%, Bradesco caía 3,55% e Santander tinha queda de 3,56%. Até mesmo o BTG Pactual (BPAC11), com maior perfil de banco de investimentos, não escapou da aversão ao risco, cedendo 3,55%.
A queda sincronizada do setor não é mero reflexo da volatilidade de mercado. O pano de fundo é político, e envolve diretamente a decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu a aplicação da chamada Lei Magnitsky no Brasil.
O que é a Lei Magnitsky e por que ela preocupa os bancos?
A Lei Magnitsky, de origem norte-americana, permite ao governo dos Estados Unidos impor sanções contra cidadãos estrangeiros acusados de corrupção ou violações de direitos humanos. As punições incluem congelamento de ativos, proibição de transações bancárias e bloqueio de acesso ao sistema financeiro internacional.
Por ser uma legislação de alcance global, bancos que mantêm qualquer tipo de operação em dólar ou relacionamento com o sistema financeiro dos EUA precisam cumprir as determinações, sob pena de pesadas multas. Um exemplo clássico foi o banco francês BNP Paribas, que pagou multa de US$ 8,9 bilhões por descumprir sanções americanas contra Cuba, Irã e Sudão.
No caso brasileiro, a polêmica surgiu após o ministro Alexandre de Moraes ter sido incluído na lista de sanções do governo Trump. A decisão do STF, assinada por Flávio Dino, determinou que empresas e instituições financeiras no Brasil não poderiam aplicar restrições decorrentes dessa lei em território nacional.
Decisão “equivocada” e o impasse jurídico
A decisão de Dino foi recebida com forte ceticismo no mercado financeiro. Um banqueiro ouvido pelo Money Times classificou a medida como “equivocada e inócua”.
“Os bancos não são obrigados a manter clientes sancionados. Se o banco quiser encerrar a conta de alguém, ele pode fazê-lo a qualquer momento, independentemente do motivo. A decisão do ministro Dino não muda essa lógica de compliance global”, afirmou.
Especialistas em direito internacional e finanças reforçam que instituições brasileiras com operações em dólar são legalmente obrigadas a seguir as regras dos EUA. Gianluca Di Mattina, da Hike Capital, explicou:
“Isso vale tanto para contas diretas quanto para transações intermediadas. O custo do descumprimento é altíssimo.”
Em outras palavras, mesmo que o STF proíba no Brasil, os bancos ficam em uma encruzilhada: seguir a ordem judicial brasileira ou obedecer às regras internacionais para preservar sua operação global.
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A reação dos Estados Unidos
A tensão escalou quando a Embaixada dos EUA no Brasil publicou no X (antigo Twitter) que “nenhum tribunal estrangeiro pode anular as sanções impostas pelos EUA”.
Na mesma publicação, o governo americano foi ainda mais duro:
“Alexandre de Moraes é tóxico para todas as empresas legítimas e indivíduos que buscam acesso aos Estados Unidos e seus mercados.”
O recado explícito foi interpretado como uma ameaça direta às instituições financeiras brasileiras: desobedecer às sanções poderia resultar em retaliações do governo norte-americano.
Impacto direto nas ações de bancos
Diante desse impasse, investidores correram para vender papéis do setor bancário. O temor é que, em um cenário extremo, os bancos brasileiros sofram restrições ou multas internacionais caso decidam acatar a decisão do STF e manter relacionamento com clientes sancionados pelos EUA.
O risco jurídico e regulatório se traduz em prêmio de risco maior para o setor, derrubando os preços das ações. Como consequência, o mercado penaliza BBAS3, ITUB4, BBDC4 e SANB11.
Vale lembrar que os bancos são fortemente expostos ao dólar e ao sistema financeiro global, tanto por operações de câmbio quanto pela emissão de títulos e captação de recursos no exterior.
Reações do setor financeiro
Durante a teleconferência de resultados do 2º trimestre, o CEO do Bradesco, Marcelo Noronha, foi direto:
“A lei não é discutida, a lei é cumprida.”
A declaração reforçou a percepção de que, na prática, as instituições financeiras tendem a obedecer às regras internacionais, mesmo que isso signifique confrontar decisões locais.
O Banco do Brasil, por sua vez, divulgou nota ressaltando sua experiência internacional:
“Com mais de 80 anos de atuação no exterior, a instituição acumula sólida experiência em relações internacionais e está preparada para lidar com temas complexos e sensíveis que envolvem regulamentações globais.”
Na prática, a mensagem foi clara: o banco seguirá o compliance internacional.
Eduardo Bolsonaro e a escalada política
O conflito ganhou ainda mais contornos políticos quando veio à tona que o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) teria acionado o governo Trump para reforçar o bloqueio contra Moraes, incluindo contas em reais.
Esse movimento acirrou ainda mais o embate entre STF, Congresso e governos estrangeiros, colocando os bancos brasileiros em uma posição ainda mais delicada.
Enquanto isso, o ministro Cristiano Zanin, do STF, foi sorteado como relator de uma ação movida pelo deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) para impedir que instituições financeiras bloqueiem as contas de Moraes.
O dilema: obedecer a quem?
No fim do dia, a questão central permanece: os bancos brasileiros devem obedecer ao STF ou ao governo dos EUA?
O histórico de multas bilionárias aplicadas a instituições que desobedeceram sanções americanas sugere que a balança pesa para o lado de Washington. Mas ignorar uma ordem do STF pode gerar consequências políticas e jurídicas dentro do Brasil.
Esse cenário de incerteza regulatória é justamente o que o mercado mais teme, e explica a forte pressão sobre as ações do setor bancário nesta semana.
Risco sistêmico à vista
O episódio expõe uma fragilidade estrutural do mercado brasileiro: a dependência do sistema financeiro global e do dólar. Mesmo bancos sólidos e altamente capitalizados, como Itaú e Bradesco, não conseguem se blindar de conflitos geopolíticos e jurídicos internacionais.
Para os investidores, a mensagem é clara: ações de bancos podem continuar sob forte volatilidade enquanto persistir o impasse entre STF e governo dos EUA.
Em um setor que já enfrenta desafios de inadimplência crescente, margens pressionadas e necessidade de adaptação digital, a crise da Lei Magnitsky adiciona uma nova camada de risco — e com potencial de impacto sistêmico.