O Banco Central do Brasil (BC) abriu uma consulta pública com novas regras propostas para o uso de criptomoedas no mercado de câmbio brasileiro. A proposta visa definir quais atividades e operações realizadas pelas Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (PSAVs) podem ser incluídas no mercado de câmbio, exigindo que sigam as mesmas regras do câmbio tradicional. Na mira, as stablecoins, criptomoedas de moedas já existentes.
Cada vez que um Estado procura implantar alguma regulamentação, estamos diante de uma ambiguidade. O maior poder do Estado tanto pode prevenir fraudes como ser ferramenta de opressão. Considerando é muito fácil que o Estado seja tomando por interesses contrário do interesse público objetivo, qualquer ferramenta que aumenta o poder do Estado, mesmo sob a nobre desculpa de “regulamentar” pode ser usada para o mal.
As tecnologias que quebram paradigmas tendem a ser amplamente disseminadas. A aceitação é rápida. As criptomoedas foram diferentes. É uma tecnologia tão disruptiva que rompeu a estrutura da regulação do mercado de capitais. As stablecoins são um tipo especial de criptomoeda projetada para manter um valor estável, geralmente atrelado a um ativo de referência, como o dólar americano, o euro ou commodities como o ouro. Portanto rompem com o sistema de controle de divisas e transferência internacional dos Estados e do protocolo bancário de Basiléia.
Hoje em dia, uma stablecoin é uma das maneiras mais seguras, baratas e rápidas de transferir moedas entre países. Quem tem alguns cabelos brancos e viajou sabe como carregar – e usar – o próprio dinheiro em outros países pode ser traiçoeiro. Eu mesmo passei algumas. Não faz muito tempo, vi-me sem dinheiro na Argentina tendo que sacar do cartão de crédito, ou tendo que vender meus “travelers checks” em Zurich com um deságio quase que criminoso.
As stablecoins desafiam o sistema de transferências de dívidas internacionais dos Estados ao oferecerem uma alternativa rápida, barata e descentralizada para transações transfronteiriças, eliminando a necessidade de intermediários tradicionais como bancos. Isso pode reduzir significativamente os custos e o tempo das transferências, mas também dificulta a supervisão e o controle regulatório por parte dos governos, potencialmente facilitando a evasão fiscal e outras atividades ilícita.
As stablecoins também podem desafiar o protocolo bancário de Basileia devido à sua natureza descentralizada e à falta de regulamentação rigorosa. Elas operam fora do escopo das regras tradicionais de transparência e liquidez, o que pode aumentar os riscos sistêmicos. A popularidade crescente das stablecoins também pode expor os bancos a novos riscos não cobertos pelas regulamentações atuais, exigindo novas abordagens regulatórias para garantir a estabilidade do sistema financeiro global.
A proposta do Banco Central do Brasil é colocar as stablecoins sob as mesmas regras do mercado de câmbio. Prima facie, por que não? Trata-se de câmbio sob a aparência de cripto. Mas, francamente, qual o ônus e o bônus desta regulação? Sempre os governos alegam que é para “combater o crime”, mas, francamente, não tem os Estados métodos investigativos abundantes para coibir os crimes internacionais? Não tem sistemas eletrônicos capazes de rastrear e bloquear bens e transações facilmente? No frigir dos ovos, é tudo para evitar a evasão fiscal, este estranho ilícito que consiste em uma pessoa querer manter os frutos de seu trabalho, longe da ganância de impostos dos Estados.
É cedo para fazer prognósticos. Mas com certeza qualquer nova regulação vai mais onerar o usuário, que simplesmente quer transferir seus recursos entre países – ou prosaicamente guardá-los com a confiabilidade da auto-custódia do blockchain – do que provocar qualquer dano às grandes redes criminosas internacionais, com seu amplo poder, inclusive nos próprios governos que fazem a regulação.